Artigo: Como podemos projetar o socialismo do século XXI?  

Por Alan Valadares*

Em plena crise política, do novo crescimento do conservadorismo e elevada crise na economia do Brasil, falar de socialismo é mais do que necessário

Chegamos ao século XXI, em que a humanidade já experimentou modos de produção que foram superadas pelo “mundo moderno” e contemporâneo, cuja estrutura funciona com a sobreposição das relações sociais ao capital fictício e concentrado. Ao mesmo tempo, surgem novos fenômenos sociais que desafiam a luta por alternativas, principalmente, a opção socialista sustentada no marxismo, que precisa estar mais conectado com o século XXI.

Será mesmo que estamos num patamar mais avançado de desenvolvimento humano, de trabalho emancipado, com liberdade e democracia? Depois de séculos de existência, reafirmamos que o capitalismo não é capaz de emancipar a humanidade, e se esgotou como sistema de produção limitado no lucro, consumismo e de cíclicas crises. Precisa ser superado por um sistema econômico e político em que a liberdade, democracia e a qualidade de vida não sejam resumidas em slogan de propaganda falsa dos apologistas do neoliberalismo.

A história e o contexto servem como experiências

Um guerreiro do povo brasileiro, João Amazonas também apresentou esse novo momento na sua elaboração renovadora – Socialismo no Século XXI: O século XX começou com a passagem do capitalismo florescente da livre concorrência para a sua a fase monopolista e imperialista […] O capitalismo chegou ao fim, já não tem condições de resolver os magnos problemas sociais e políticos gerados pelas próprias contradições que encerra.

A burguesia construiu um mundo com um novo formato da exploração do homem pelo homem diante da alienação moderna do trabalho. Seu funcionamento está cada vez mais sustentado na exploração, na propagação do individualismo e consumismo, na concentração de riquezas, nas profundas desigualdades sociais, com campanhas de guerras genocidas e exterminadoras de povos que sem saídas, acabam perdendo suas soberanias com a neocolonização. Na compreensão de Renato Rabelo, em A Luta pelo Socialismo no Novo Tempo, a atual fase do capitalismo contemporâneo é de expansão da internacionalização, concentração e centralização do capital neocolonial. Esse entendimento sobre o estágio do capitalismo é crucial para o movimento comunista poder situar-se e contrapor o sistema em decadência.

Nesse sentido, é possível ter uma noção preliminar da tentativa de iniciar um processo revolucionário que exige fortalecimento do Estado nacional com democracia e desenvolvimento, garantia da soberania nacional para fim a dependência do Estado ao capital. Caminhar com um internacionalismo solidário com multilaterais relações diplomáticas, econômicas e cooperativas com outras nações. Ou seja, uma opção política que viabilize uma nova ordem multipolar no atual sistema mundo e fortaleça a luta pelo socialismo em escala mundial e nacional.

Num curto período da experiência socialista do século XX, foi possível registrar avanços na tentativa de superar os atrasos e limites do sistema capitalista. Ao mesmo tempo em que foram deixados legados para a humanidade, também ocorreram erros e dificuldades que são exemplos críticos para serem superados nos novos períodos de luta e construção socialista no século XXI.

Os erros são compreensíveis, pois, foi o primeiro passo consistente de uma revolução comunista ainda nova perante a existência secular do capitalismo. Exemplo desse período foi o bloco soviético, estrutura em um modelo de economia planificada e estatal na edificação socialista, sem levar em conta o grau de desenvolvimento das forças produtivas, das condições materiais ou peculiares da economia e das condições geográficas. No livro O Socialismo no Século XXI, Boron sinaliza que é necessário que o economicismo seja superado na forma de conceber o socialismo, ao afirmar:

[…] é preciso destacar que um socialismo renovado face ao Século XXI não pode ficar reduzido à construção de uma nova fórmula econômica, por mais decididamente anticapitalista que esta seja.

A questão essencial

A luta pelo socialismo estar relacionado essencialmente com a superação do trabalho alienado, ora baseado numa produção social das riquezas com apropriação individual cada vez mais concentrada, e sustentada crucialmente na taxa de exploração (mais-valia) derivado do tempo excedente da produção de bens de valor de uso e de troca. O geógrafo David Harvey, no seu livro As cidades rebeldes, também se refere a questão acima: A luta anticapitalista, no sentido marxista formal, é fundamental e apropriadamente interpretada como sendo em relação à abolição da relação de classe entre capital e trabalho na produção que permite a produção e apropriação da mais-valia pelo capital.

Vale ressaltar que a emancipação do trabalho é a essência do marxismo, mas, deixou de ser o único meio de desenvolver a práxis. A teoria precisa analisar as condições concretas e peculiares de cada realidade que apresentam às outras contradições existentes no interior da luta de classes. A mais-valia não é mais extraída somente do trabalho excedente na indústria, porque no presente século, a classe trabalhadora apresenta uma composição mais diversificada nos diferentes ramos do trabalho assalariado. Ou seja, o marxismo como ciência, acompanha as mudanças e desenvolvimento das relações do trabalho com o capital. Como disse Engels: nossa doutrina não é um dogma, mas um guia para a ação.

Entender a questão das peculiaridades de cada país possibilita canalizar contradições e as oportunidades de combater outras opressões às minorias geradas e sustentadas pelo capitalismo. Esse entendimento é crucial para construir as bases socialistas, que requer interpretação abrangente das atuais necessidades sociais, e dos variados meios de lutas alternativas à lógica do capital.

Árduo trabalho numa disputa desleal

Apresentar o socialismo científico como um sistema de necessidade histórica da humanidade, viável, moderno e inovador, é um árduo trabalho numa disputa desleal, e exige dos comunistas a sapiência, resistência, insistência e táticas acertadas para contrapor a ideologia dominante do capital. O movimento comunista ainda estar em recomposição pós a derrota da União Soviética na Guerra Fria, e mesmo com os avanços atualmente, percebe-se a dificuldade na acumulação de forças que possibilite maior ascensão.

Nova realidade, novos caminhos

Como podemos conceber o socialismo do século XXI? Qual caminho seguir? Romper com o capitalismo de uma só vez ou desenvolve-lo para superar? Será possível o socialismo num só país ou a partir do domínio do sistema mundo? A revolução será com os partidos comunistas exclusivamente no poder ou em alianças aos movimentos de esquerda? Conceber o socialismo no presente século é também negar as fórmulas e previsões proféticas para o atual momento da luta de classes pós-derrota do movimento comunista internacional com a queda do bloco soviético. É a partir do conhecimento da experiência histórica, das atuais tentativas de consolidar as construções socialistas (como na China e Cuba) em âmbito global e local, que possibilita sinalizar as características iniciais do socialismo para o século XXI.

E assim que Renato põe a questão: Para aferir a situação do movimento temos de levar em conta as lições extraídas do primeiro ciclo histórico do socialismo e nível de correlação de forças. Primeiro, ele alerta como o dogma causou desastres na URSS. Depois coloca a importância dos partidos comunistas construir alianças com setores que contribuem para o desenvolvimento econômico e social. E por fim, os comunistas sobressaírem das consequências da avalanche anticomunista e neoliberal.

Podemos sinalizar que para construir o socialismo se faz necessário compreender a formação histórica e o grau de desenvolvimento das forças produtivas; desenvolver uma economia com empresas estatais, mistas, privadas e cooperativas; aglutinar reivindicações populares e absorver as potencialidades empreendedoras do povo ao projeto de nação; construir uma democracia participativa com caráter revolucionário; gerar condições para o fim do monopólio. Modernizar a sociedade com inovações e difusão de valores humanistas, promover qualidade de vida com desenvolvimento sustentável e valorizar as manifestações tradicionais do povo. Ou seja, exige uma atuação ampla (seja no poder ou não) que aprofunde a influencia comunista e construir uma nova realidade social.

A única certeza que podemos ter: o socialismo estar na ordem do dia para condicionar um novo salto que a humanidade precisa no Século XXI.

*Alan Valadares Meira – Secretário de Organização da UJS Bahia e graduando do Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades da UFBA.