Violações de direitos e 9 mil presos políticos: A Colômbia vai mal

Em dias passados em conhecido programa jornalístico da TV participavam professores de ciência política, direito e relações internacionais de algumas universidades brasileiras. Uma das perguntas do entrevistador e condutor do programa dirigia-se a identificar os países que desde a ótica dos entrevistados “iam bem” do ponto de vista econômico e social na América Latina.

Por Pietro Alarcón*, especial para o Portal Vermelho

Os professores respondiam quase ao uníssono que Chile, Peru, México e a Colômbia iam muito bem, e um deles fazia ênfase em que se trata de países que se encontram na chamada Aliança Pacífica e que, especialmente na Colômbia, durante este período – entenda-se, governo Santos – houve um “pacto social “ entre os colombianos.

Por um lado, chama a atenção a lamentável falta de informação com relação ao tema Colômbia e, por outro, o feitiço que parece tomar conta de muitos analistas quando se trata de retratar a dura realidade desse país. O embruxo decorrente da postura da política externa do presidente Santos consiste em tentar reproduzir a miragem de uma suposta Unidade Nacional em torno a seu governo. Sob essa perspectiva projeta-se a visão imaginária de que a sociedade colombiana está à beira do pósconflito, e de que ainda que subsistam os desafios de superar a pobreza, a insegurança e o desemprego, o futuro é otimista, porque o país é uma economia emergente, propícia aos investimentos e preparada para a prosperidade.

A Colômbia simplesmente não pode ir bem porque é um país que padece um conflito social e armado ocasionado por décadas de exclusão socio-política e desigualdade econômica. Conflito que tem uma possibilidade de finalizar frutificando os diálogos de Havana. E estes somente têm condições de avançar se são dados os passos necessários para eliminar as causas de irradiação da violência, o que implica a ampliação da democracia e o início de reformas estruturais que toquem a raiz da ausência de efetividade dos direitos sociais da imensa maioria do seu povo.

Para não me estender em uma amalgama de tópicos, nesta oportunidade vou me referir ao tema dos direitos humanos e a situação de milhares de colombianos aos quais pouca ou nenhuma visibilidade se lhe outorga pelos grandes centros midiáticos.

Justo neste momento, quando tento concluir estas linhas, chegam as notícias publicadas em El Tiempo de que a Polícia colombiana ingressou nas residências de 14 pessoas, uma ativista pela igualdade de género e os direitos sexuais da mulher, várias lideranças estudantis e vários professores universitários, e os conduziu à prisão sob pretexto de estarem vinculados a explosões acontecidas há mais de um ano em Bogotá. Já existe a preocupação de que se trate de mais um abuso da força pública, e o Alto Comissionado para os Direitos Humanos da ONU expressou claramente: “sobre os capturados não pesa nenhuma decisão jurisdicional que os considere culpáveis de nenhum delito, são apenas sindicados”. Outras vocês do Congresso Nacional de Colômbia expõem que não imaginam, especialmente a pessoas lutadoras pelos direitos, cometendo ilegalidades. E como é frequentemente denunciando por entidades de defesa dos direitos humanos, o Estado colombiano responde hoje a mais de 13.000 ações administrativas por detenções abusivas por falta de material provatório suficiente

Realmente, não é mais possível ocultar, como se pretende pelas grandes corporações de notícias, a dramática situação de um país que tem, segundo dados do ACNUR, (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), mais de um milhão de deslocados internos, e segundo Resolução de Anistia Internacional de maio do presente ano, uma prática constante “de assassinatos, ameaças e estigmatizações utilizados para intimidar e silenciar ativistas”. Vale apontar que na mesma Resolução, Anistia Internacional refere-se ao escândalo internacional dos denominados “falsos positivos”, qualificados como “prática na qual o exército assassina civis vestidos como guerrilheiros para aumentar seus índices de efetividade”

Sobre a impunidade que acoberta estes crimes contra a humanidade, o informe da Entidade aponta com clareza que “casos de execuções pelas forças de segurança continuam a ser relatados(…)No entanto, muitos tramitam perante os tribunais militares, que não são nem independentes nem imparciais e que não conseguem fazer justiça. Segundo o relatório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, em janeiro, 48 casos de execuções extrajudiciais atribuídas a forças de segurança foram transferidos aos tribunais militares (..)”

A Federação Internacional de Direitos Humanos, por sua vez, denuncia que apresentará perante a Corte Penal Internacional o caso de 16 militares de alta patente envolvidos com mais de 500 execuções extrajudiciais e falsos positivos.

Cumpre ainda observar os reiterados e precisos informes de entidades de direitos humanos com sede nesse país, que relatam como as organizações camponesas, de indígenas e afrodescendentes que exercem atividades de resistência perante as transnacionais mineiro-energéticas e em defesa do seu território, sofrem uma sistemática perseguição de setores que atuam sob o amparo do Estado. A perseguição consiste na criminalização das suas ações e a detenção das suas lideranças com fundamento em duvidosos testemunhos de delatores, em muitos casos “anónimos”.

Logicamente, não há como desvincular a desigualdade social e a fragilidade da democracia colombiana como os elementos centrais da maneira como se alastra esta situação de violência. De fato, em várias passagens da história as reivindicações populares têm sido marcadas pela mobilização pacífica. Contudo, o contexto da repressão militar e a exclusão política geraram formas de resistência muito amplas. As agressões desenvolvidas diretamente ou com a cumplicidade de agentes do Estado criaram um cenário de luta na qual ao longo dos últimos 50 anos implementou-se uma particular e legítima defesa popular caracterizada pela ação, da qual participam homens e mulheres, contra o regime político.

E estas pessoas são tratadas, em alguns casos apenas por “pensar diferente”, e em consonância com ideologias e concepções do tresnoito fascista da história, como supostos terroristas. A acusação temerária serve apenas para intensificar o tratamento de ordem pública à protesta social, com a privação da liberdade de muitas delas.

O resultado, segundo o Foro Internacional Colômbia entre Rejas, realizado em 2012, e que contou com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é de mais de 7.500 presos de consciência contados até 2012. Hoje o número aumentou a mais de mais de 9.000, dos quais o 10% são prisioneiros de guerra e 90% são civis, entre jornalistas, sindicalistas, trabalhadores rurais, professores, estudantes, ambientalistas. Vale a pena dizer que um bom número dessas pessoas foram ou são vítimas de montagens, outros não tem sua situação jurídica definida em claro descumprimento da Constituição e das convenções internacionais que estabelecem a garantia do devido processo. A atenção à saúde é precária e frequentemente estão amontoados e misturados com detentos que cometeram toda sorte de condutas.

O que se constata é que o sistema carcerário opera como uma prolongação da política geral do Estado, mas não consulta os princípios mínimos de uma política democrática em matéria penal. A política geral pretende normalizar a vida nacional a partir das instituições de controle social primário, a força pública e os organismos de segurança, e já na reta final, a partir da instituição carcerária. O sistema, como já foi dito por autoridades do país, consiste em que muitas das vítimas não sejam levadas ao sistema penal, mas executadas extrajudicialmente por atores privados violentos e, em muitos casos, por agentes do Estado. E logo, quem chega vivo encontra dentro do presídio o quadro lamentável de violações aos direitos.

Nesse sentido, as detenções, apenas para exemplificar, de Huber Ballesteros, membro da direção da Central Unitária de Trabalhadores e da Federação Sindical Agropecuaria (FENSUAGRO) e de David Ravelo, Secretário da Corporação Regional para os Direitos Humanos (CREDHOS), assim como os de tantos outros, caracterizam claros casos de irregularidades no campo jurídico e político.

Não há como maquiar esta realidade e construir um mundo artificial. E não adianta fechar os olhos a uma das mais graves crises humanitárias do mundo. A Colômbia somente vai bem na medida em que se elimine a guerra e se abra passo à vida e às liberdades públicas e por isso há que dar todo o apoio aos diálogos de Havana, na perspectiva de uma paz com democracia e justiça para todos.

*Prof. Dr. PUC/SP e representante do Comitê Permanente pela Defesa dos Direitos Humanos de Colômbia, entidade consultora da Comissão de Direitos Humanos da ONU (http://www.comitepermanente.org/)

Notas do Autor

1) Veja-se a caracterização de Victor Manuel Moncayo em seu texto Las conversaciones de La Habana: uma compleja oportunidade para la paz em Colombia.

2) El Tiempo. www.eltiempo.com edição de 9 de julho de 2015. P. 1
Anistia Internacional

3) https://www.amnesty.org/en/countries/americas/colombia/report-colombia/

4) http://www.rcnradio.com/nacional/noticias/denunciaran-ante-corte-penal-internacional-las-ffmm-por-casos-de-falsos-positivos

6) Consulte-se a Botero Bedoya. Colombia: Defensoría del Pueblo. La cárcel en Colombia: entre lo político y lo criminal no Seminario sobre las condiciones de detención y las protección de las personas privadas de la libertad en América Latina.

7) Ver http://www.colectivodeabogados.org/ entidade ligada à Federação Internacional de Direitos Humanos e consultora da OEA.