A poesia de Leandro Rodrigues
Entre a sala de aula e a poesia, assim é a vida de Leandro Rodrigues, que leciona Língua Portuguesa e Literatura em Osasco e aproveita o restante do tempo para se dedicar à escrita.
Publicado 10/07/2015 17:08 | Editado 13/12/2019 03:30

Professor de Literatura Brasileira, Leandro leciona em Osasco, São Paul, e já teve seus poemas publicados em revistas como Musa Rara e Cult. É autor do livro digital Atonal Ou Das Distâncias da Aprendizagem Cinza. No final da matéria há um vídeo onde o autor recita o poema.
Letras Vermelhas traz uma série de poemas do autor, leia na integra:
Louvain
Quem estará frente ao espelho
na noite saqueada?
Quem despirá a escuridão
desses corpos turvos medidos mudos petrificados
sumidas silhuetas noites de perpétuas sombras/
ancestrais penas?
Quem decifrará a carta suicida não escrita
mas salpicada de sangue
lançada ao vento/ ao mar/ ao espaço
em folha vegetal tão recortável minúscula?
Quem?
Ao meio-dia ousou ser a metade de tudo
o quanto não foi, nem sequer será ao certo e
andando entre as ruas com sua meia-sombra
num dia inválido impróprio com gosto de
fuligem barroca abstrata cena se curvou
para ver as horas e viu um relógio sem
ponteiros e teve pressa de não chegar
Panas And Echo
Panas and Pytis
The Cult of Pan
des
ceu
os
de
graus
bebeu toda água da clepsidra
adornou bonecos entalhados de madeira
mastigou as velas e o curto pavio do desprezo
anotou endereços de antigos colegas mortos só para atirar
nos jardins sementes de ipê roxo branco amarelo ou mesmo
girassóis que irão nascer no crepúsculo.
2.
A tarde
a tarde sangra
sangria desatada
corte visceral
a tarde está vermelha
e jorra
jugular espessa
exposta
os olhos saltados
a tarde agoniza
a tarde
lentamente
matadouro de tudo
matadouro
lento
desatada sangria
visceral corte
simétrico
as entranhas
da tarde
expostas
ex pos tas
ex
pos
tas
3.
Ao Meio
meio-dia
a vida ao meio
o sol ardendo inteiro.
4.
De versos soturnos
Sobre a noite
um pássaro
ainda mais soturno
Em seu voo próximo
póstumo
de luto
de luta.
5.
Haicai Violeta Parra
Estranho o teu canto
Tua voz dissonante
Teu falsete em pranto
6.
Ode ao urubu-rei
I
Urubu-rei, malandro
Pousado no nunca
Urubu-incerto, perto daqui
Pousado no muro
Urubu-espanto, adormecido
Aguardando as horas
se precipita
Urubu-frágil, como a tarde.
II
Ou nem tão frágil assim, talvez irreal
És o mesmo que sobrevoou Canudos
(outros fronts pelos tempos afora)
E que agora aguarda silencioso.
III
Um urubu na tarde apenas
Uma outra pena
Da ave certa, certeira, rapina
És o agouro no voo
mais leve.
7.
São Paulo IX
Na cinzentude opaca
de fuligem e concreto armado
estilhaços – espaços entre as grades
fragmentos e frestas
o grito
que vem das galerias
de esgoto e escorre
entre o rio que não
é rio
e a revolta represada
na merda.
]
Três tiros bastaram
para sangrar essa lua
para estancar esse medo
para escorrer o óleo diesel
do olhar lacrimejante
da moça bem vestida da Consolação.
]
Três golpes frios – lâmina branca
para jorrar ladeira abaixo
todo esse lixo de plástico descartável
– biodegradável
Todo esse caráter artificial
mais valia $ $ $ $
com gosto de opressão
(os subúrbio pulsam)
]
Na cidade mais podre/
em putrefata simetria
(de chumbo)
[
Três tiros bastaram
para apagar de vez esse lirismo doente,
doentio,
semi-morto.