Violência matou 2,4 milhões de jovens no Brasil entre 1980 e 2012

"Alguns insistem em dizer que não existe racismo. Já falei e continuo falando que existe. E o bom seria que essas pessoas que apontam e falam que não existe racismo pudessem trocar de pele conosco por uma semana e ao final dessa semana dizer se existe ou não racismo", desabafou deputada Rosângela Gomes (PRB-RJ), relatora da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou violência contra jovens negros e pobres no Brasil.

Por Joanne Mota

Somente 8% dos crimes cometidos contra jovens são investigados no país

Nesta quarta-feira (15), a CPI aprovou, por unanimidade, o relatório apresentado pela deputada Rosângela Gomes. O texto propõe a criação de um plano nacional de enfrentamento ao homicídio de jovens e a destinação de 2% da arrecadação dos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados para financiar políticas nessa área, entre outras medidas.

No relatório, que somou 248 páginas e revela a situação de violência vivida por essa parcela da população, foram mantidas as expressões genocídio e racismo, apesar da crítica de parte dos membros da comissão.

Mesmo sendo considerado um termo controverso, a tese do "genocídio" está amparada no número elevado de mortes por violência: 2,4 milhões por causas como homicídio e acidentes de trânsito, entre 1980 e 2012, uma média de 75 mil por ano.

Ainda ficou definido que entre os caminhos sinalizados pelo relatório, está a criação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, a separação da Perícia Criminal das polícias civis e federal e a destinação de 2% da arrecadação dos impostos sobre a renda e sobre produtos industrializados para políticas nessa área.

Vítima do racismo

A deputada Rosângela Gomes lamentou a preferência por crianças brancas nos processos de adoção no Brasil e falou sobre as circunstâncias em que se sentiu vítima de racismo.

Durante sua fala, a parlamentar narrou situações em que sofreu racismo. "Há muitos anos quando entrei no elevador e fui colocada para fora, isso tem aproximadamente 28 anos, me pediram para sair porque eu tinha que ir pelo elevador de serviço. Quero falar também que, quando eu tinha oito anos de idade, fui à festinha dos meus amigos de escola e quando cheguei lá os pais dos meus amigos pediram para eu sair porque eu era negra".

PCdoB contra a violência

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP) comemorou a aprovação por unanimidade do relatório e destacou que "esse relatório é uma síntese fruto de muito debate em diferentes espaços. Um esforço do Parlamento em parceria com a sociedade e que conta com o apoio do Governo. Um importante passo foi dado, mas a luta para vencer a violência continua".

Foto: PCdoB na Câmara
O vice-líder do governo na Câmara e vice-presidente da CPI, Orlando ainda enfatizou que “ao longo de toda a CPI, o governo se fez representar nesta Casa por ministros, secretários nacionais, presidentes de conselhos, e teve a oportunidade de expressar suas preocupações. Depois de ler o relatório, vejo que há uma sintonia entre elas e o texto aqui apresentado. Esse relatório é a construção possível do parlamento brasileiro e conta com o apoio do governo”.

Na mesma linha, o deputado Davidson Magalhães (PCdoB-BA), membro da comissão, o resultado foi extremamente positivo. “Nós estamos produzindo um instrumento importante de mobilização da nossa sociedade para enfrentamento da violência contra nossos jovens negros e pobres, e uma peça importantíssima que fundamenta o combate ao racismo na nossa sociedade”.

Mapa da Violência 2014

Os dados da violência contra a juventude no Brasil são escandalosos e pioram quando a estatística analisa as mortes de jovens negros. Considerando os dados de 2004 a 2007 percebe-se que o número de mortes da juventude negra supera o de mortos na guerra do Afeganistão. Sendo que as estatísticas mostram os jovens negros morrem 3,7 vezes mais que os brancos.

Entre 1980 e 2011 mais de 660 mil jovens foram assassinados. O Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, registrou 120 mil casos de violência contra crianças e adolescente em 2012. A violência contra a juventude é evidente no país e a realidade do município não é descolada da nacional.

Além de os negros serem as principais vítimas de homicídios, eles são a maior parte da população carcerária. De acordo com dados de 2013 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, das 537.790 pessoas que estão no sistema penitenciário, 93,92% são homens, 50,88% têm entre 18 e 29 anos e 57,21% são pretos ou pardos.

Dados do Mapa da violência 2014 apontam números alarmantes. O estudo aponta o brutal incremento dos homicídios a partir dos 13 anos de idade: as taxas pulam de 4,0 homicídios por 100 mil para 75,0 na idade de 21 anos.

Também nos acidentes de transporte a vitimização prioritária acontece na faixa jovem e também idosa. No caso dos jovens, explica-se pela crescente e elevada mortalidade de motociclistas, veículo mais utilizado por jovens. No caso dos idosos, deve-se fundamentalmente à elevada vulnerabilidade de pedestres com mais de 65 anos de idade.

Por último, surpreende a elevação significativa das taxas de suicídios a partir dos 17 ou 18 anos de idade, com taxas bem acima da média nacional, em torno de 5 suicídios a cada 100 mil habitantes.

Além disso, o gráfico acima mostra que, considerando o longo período – 1980 a 2012 – , entre os jovens, 62,9% das mortes devem-se a causas externas. Na população não jovem, esse percentual representa só 8,1% das mortes acontecidas. Se na população não jovem só 2,0% dos óbitos foram causados por homicídio, entre os jovens os homicídios foram responsáveis por 28,8% das mortes acontecidas no período 1980 a 2012.