Cordel Umbilical (Outros Poemas): Minha vida

Nasci a 20 de agosto
Do ano de 24
Não nasci fora de tempo
Foi com nove meses exato
Por isto eu me criei
Sem nunca quebrar um trato

Ainda faço o relato
Sou do signo de Leão
Mulher que sabe vencer
No mundo qualquer questão
No silêncio a gente ganha
Falando perde a razão

No meu tempo, diversão
Parece que não havia
Criança tinha talento
Desde a hora que nascia
Crescia ajudando os pais
Trabalhando noite e dia

Se fazia romaria
Juntos rezavam oração
Os pais davam bons exemplos
Trabalhando pelo pão
Respeitavam o matrimônio
E Deus dava proteção

A primeira diversão
Ainda estou me lembrando
Fui junta com meus irmãos
E meus pais acompanhando
Ver uns bonecos de paus
De lado a lado pulando

Os dias foram passando
Rápidos, sem a gente ver
Tornei a ir outra festa
Que nem é bom lhe dizer
Viva o noivo! Viva a noiva!
Gritava o povo a valer

É bom o leitor saber
Que este tempo mudou
Com 7 anos de idade
Minha mãe Deus carregou
E toda minha esperança
A brisa mansa levou

Então o mundo parou
Me deixando recalcada
Sem ter o carinho de mãe
No mundo ninguém tem nada
Foi assim que eu cresci
Enfrentando esta jornada

Foi uma barra pesada
Para não dizer mesquinha
Quando freqüentei escola
Já era uma mocinha
Ainda fiz o primário
Foi a grande sorte minha

Há muitos tempos eu tinha
Vontade de trabalhar
Porém o tempo era pouco
Precisava estudar
Mas logo que terminei
Comecei a ensinar

Ensinei particular
Ganhando uma ninharia
Deixando meu lar paterno
Onde reinava alegria
Morando em casa dos outros
Onde nada conhecia

Mas tudo isto fazia
Para ganhar um tostão
Pois o pouco que juntava
Sanava a situação
Embora que casa alheia
Não agrada nenhum cristão

Lutei pra ganhar o pão
Com um dinheiro mirrado
Porém não comprava jóias
Nem vestido, nem calçado
Mas ajudei a meu pai
Que era velho e cansado

Com alguns anos passados
Uma cadeira arranjei
Na gestão de Álvaro dos Santos
Dois anos lecionei
Fui embora para o sítio
Da cidade me mudei

Muitas lutas enfrentei
Sem perder as esperanças
Uma classe numerosa
Com 43 crianças
Ganhava 80 mil réis
Gravei isto na lembrança

Porém a gente cansa
De viver por terra alheia
Abandonei meu contrato
Não sei se fiz ação feia
Porém os sítios outrora
Era pior que cadeia

Almoço, janta e ceia
Era o regime do mato
Com qualquer coisa o povo
Formava logo um boato
Por isto eu vim embora
Abandonei meu contrato

Foi este o 1º ato
De minha história a contar
Ensinei 23 anos
Não pude me aposentar
Pois a maioria do tempo
Ensinei particular

Mas posso me orgulhar
Pois fiz bem a muita gente
Fui professora primária
Fiz um trabalho decente
Da arte de ensinar
Eu sempre fui competente

Hoje vejo em minha frente
Ex-aluno já formado
Na área de medicina
Levando um trabalho honrado
Quando me vê, me abraça
E fala do seu passado

Seu nome escrevo ao lado
Dr. Joaquim Clementino
Dotado de inteligência
Era um ótimo menino
Estudou e se formou
Cumprindo assim seu destino

Outro também pequenino
Que ensinei o bê-a-bá
Dr. Lurtizeu Lucena
Comigo veio estudar
Residente em Iborepi
Mas com sua vó veio morar

Era um menino exemplar
Muito tímido e inteligente
Se eu levantasse a voz
Ele ficava doente
Sei que ele venceu na vida
Porque era competente

Hoje tenho aqui presente
Um outro aluno formado
Antônio Marques Formiga
Um garotão esforçado
Formado em Odontologia
Tem consultório montado

Ele foi um felizardo
Na vida soube vencer
Também sua irmã Gorete
A quem ensinei a ler
Hoje formada em enfermagem
Me agradece o saber

Graças a Deus pude ter
Orgulho de trabalhar
Quantos jovens neste Cedro
Começaram a estudar
Na minha escolinha humilde
Para depois se formar

Pois antes de me casar
Eu já tinha obrigação
Trabalhava pra meu pai
Tinha que lhe dar a mão
Pois ele trabalhou muito
Para me dar instrução

Sabemos que a educação
É a herança principal
É a mola de nossa vida
É riqueza sem igual
Por isto eduquei meus filhos
E ainda não me dei mal

Vejo de modo geral
O quanto vale o saber
Tristes daqueles no mundo
Que não aprenderam a ler
Portanto eu lutei muito
Para meus filhos prender

Hoje eles vão vencer
Porque já são empregados
Ainda ganhando pouco
Mas te o seu ordenado
O pouco com Deus é muito
Sem Deus não tem resultado

Já estou com o espírito cansado
Já esqueci minha história
Todo velho fica broco
Se acaba até a memória
Felizes dos que vivem em Cristo
Morrendo alcançam vitória

O céu é a nossa glória
É lá que vamos morar
No mundo passei por tudo
Tudo estou vendo passar
E os anos que me restam
Estou disposta a enfrentar

Hoje vamos comemorar
As nossas bodas de prata
Deus abençoe o meu lar
Com paz e amor nesta data
Desempenhei meu papel
Fui sempre esposa pacata

Dizem que a saudade não mata
Porém deixa cicatriz
Se sofri ou se gozei
Tudo foi porque Deus quis
Portanto peço desculpas
Das poucas rimas que fiz

No mundo só é feliz
Quem tem Deus no coração
Quem desculpa o inimigo
Lhe oferecendo o perdão
Trocando ódio por amor
Ofensa por gratidão

Eu estendo a minha mão
A todos com o mesmo amor
Pois a gente quando morre
Não pode levar rancor
De moço a gente escapa
De velho nunca escapou

Eu já sei para onde vou
Porque Jesus é meu pai
Quem trabalha para o bem
Sabe o caminho que vai
Enquanto a morte não chega
Esta rima me distrai.

Cedro; 05 de Dezembro de 1983.