Esquerda apresenta proposta de governo a presidente português

"Estão criadas as condições para um Governo de esquerda”. Essas foram as primeiras palavras do líder do Partido Socialista português, António Costa, após reunião na tarde de terça-feira (20) com o presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, que vai anunciar na quarta-feira o líder que deve formar o novo Executivo, segundo o resultado das eleições de 4 de outubro.

Paulo Portas (esq.) em audiência com Cavaco Silva

Costa disse a jornalistas que apresentou ao presidente uma “solução alternativa” para toda a legislatura com o apoio do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista (PC). “Não nos ocorreria”, acrescentou Costa, “derrubar um Governo de centro-direita se não tivéssemos uma alternativa de maioria. Uma solução com estabilidade e, ao mesmo tempo, que expresse a vontade dos portugueses”.

Eleições vencidas, mas sem maioria absoluta

A coalizão de centro-direita PSD/CDs-PP, que governou nos últimos quatro anos com maioria absoluta em Portugal, conseguiu no último dia 4 de outubro 38,6% dos votos e um total de 107 deputados.

Essa maioria, no entanto, não lhe garante governar, já que a maioria absoluta seriam 116 cadeiras das 230 que formam o Parlamento. O Partido Socialista, com 32,3% dos votos, conseguiu 86 deputados. A possibilidade de conseguir o apoio dos 19 cadeiras do Bloco de Esquerda e os 17 da CDU (coalizão do PCP, os Verdes e ID) parecia difícil pelas diferenças ideológicas entre os três partidos. A cadeira restante correspondeu a André Lourenço e Silva, do partido Pessoas-Animais-Natureza.

A Assembleia da República tem uma maioria de esquerda que, pela primeira vez em 35 anos, não se nega a se unir com a responsabilidade de governar. Nesta quarta-feira (20), Cavaco Silva encarrega o Governo ao líder do partido mais votado, ou seja, ao atual primeiro-ministro, Passos Coelho. Posteriormente, o líder da centro-direita apresentará seu programa à Câmara, que o derrubará com os votos contrários de PS, Bloco e PC. Depois disso, Cavaco Silva tem o poder de deixar o atual governo em funcionamento até que se possam convocar eleições – pela lei, nunca antes de maio – ou pedir ao líder da segunda força mais votada, o PS, de Costa, que forme um Governo, o que significa que dificilmente Portugal terá um novo Executivo antes de dezembro.

Segundo analistas portugueses, a lógica de um Governo de esquerda é "legal e taticamente irrepreensível. Primeiro, porque a coalizão esquerdista tem maioria absoluta e, segundo, porque as opções do socialista Costa eram apoiar a centro-direita, sem entrar no Governo, com o presumível castigo ao PS nas próximas eleições, ou formar Governo com uma maioria de esquerda onde, além disso, o PS é o rei; ou seja, Costa sai de derrotado nas urnas a primeiro-ministro eleito pelo Parlamento, e ainda conservando a áurea do Partido Socialista limpa para futuras disputas eleitorais".

Audiência com Cavaco Silva

Recebido nesta quarta por Cavaco Silva, o Secretário-Geral do PCP, Jerónimo de Sousa, sublinhou à saída do encontro que os resultados de 4 de outubro expressam uma clara condenação do governo PSD/CDS e da sua política dos quais é necessário retirar ilações políticas e institucionais.

Perante a existência de uma base institucional para outras soluções governativas que impeçam PSD/CDS de formar governo e prosseguir a sua política de desastre, exploração e empobrecimento foi reafirmado que o PCP rejeitará na Assembleia da República o programa de um governo PSD/CDS que venha a ser apresentado.

Jerónimo de Sousa reafirmou que “há uma maioria de deputados que constituem condição bastante para a formação de um governo de iniciativa do PS, que permita a apresentação do programa, a sua entrada em funções e a adoção de uma política que assegure uma solução duradoura”. Considerando que “PSD/CDS não têm à partida condições reunidas do ponto de vista de suporte parlamentar para que seja Passos Coelho a ser indigitado como Primeiro-Ministro”, o Secretário-Geral sustentou que “nenhuma razão institucional objetiva pode justificar essa indigitação, que a acontecer seria comprovadamente uma perda de tempo”.