Gustavo Guerreiro: Dinheiro para a guerra permanente

O financiamento anunciado pela “House Rules Committee” (comissão temática da Câmara dos Representantes) e autorizado em dezembro passado pelo Congresso estadunidense para dar continuidade às guerras contra o Estado Islâmico, o chamado “Ato de Dotações Consolidadas” para o ano fiscal de 2016, mostra que a indústria militar é a máquina de fazer dinheiro mais eficaz do mundo.

Por Gustavo Guerreiro*

Debate sobre posse de armas nos EUA - Historiante

O pacote de gastos de US$1,16 trilhões, conhecido como “Omnibus” (um volumoso documento de duas mil páginas), mostra as prioridades de Washington para sua política externa. Boa parte desses recursos, cerca de US$ 573 bilhões, é reservada para “despesas do Pentágono”. Das demais despesas, US$ 58,6 bilhões vão para fundos da chamada Guerra Global contra o Terror/Operações de Contingência Estrangeiras; US$ 111 bilhões destinados à aquisição de equipamentos e novos armamentos (US$ 17 bilhões a mais do que em 2015), e US$ 49,8 bilhões para pesquisa e desenvolvimento (US$ 13,7 bilhões a mais do que em 2015), segundo o sítio Defense News.

A lei aprovada tem efeitos políticos imediatos ao autorizar o emprego de efetivos militares em áreas de conflito no Iraque e na Síria. Trata-se de uma medida que contradiz o posicionamento público da administração de Barak Obama, que rechaça a impopular utilização das forças armadas regulares para combates em terra. A insaciável sofreguidão do complexo industrial militar estadunidense transforma a “guerra ao terror” em uma campanha bélica global.
A partir dessa perspectiva, a proposta do ex-embaixador dos EEUU na ONU, o neoconservador e resoluto intervencionista John Bolton, quer que o Ocidente faça de tudo para destruir o califado do ISIS, casando a iniciativa militarista com a afirmação surpreendente de que o Iraque e a Síria perderam o direito de recuperar os territórios ocupados pelos terroristas e que “Washington deveria reconhecer essa nova configuração geopolítica. A melhor alternativa ao Estado Islâmico no Nordeste da Síria e parte ocidental do Iraque é um novo Estado sunita independente”. Bolton assume, assim, uma postura totalmente neocolonial. O intuito é manter Moscou fora de cena, restaurando a influência total dos EUA na região, a partir do apoio indireto às monarquias anti-xiitas do Golfo.

O grupo de pesquisa sobre lobby e influência política “Center for Responsive Politics” informou que o Comitê de Ação Política, da empresa Lockheed Martin (maior fabricante de equipamentos e veículos militares do mundo), gastou mais de US$ 4 milhões na campanha eleitoral de 2014 e já doou mais de US$ 1 milhão para a corrida presidencial de 2016. Bolton teve como maior doador para sua campanha de 2014 a Renaissance Technologies, fundada em 1982 pelo bilionário James Simons, premiado matemático e ex-decodificador de criptografias da Guerra Fria. A empresa é especializada em gestão de fundos especulativos usando apenas modelos matemáticos, análises estatísticas e supercomputadores.

O lobby político-financeiro-militar não se define apenas pela intensificação operacional das forças armadas; ele é concebido para atuar na defesa de projetos de lei de seu interesse na forma de uma sofisticada engenharia jurídica. Em geral, as discussões sobre operações militares dos EUA e a “guerra ao terror” passam ao largo de um debate público amplo e democrático. Enquanto trilhões são gastos no Afeganistão, no Iraque e no combate ao ISIS, o Congresso planeja cortar bilhões de programas sociais, incluindo uma provável extinção do Medicare, principal plano de saúde pública dos EUA, sob a alegação de falta de recursos. A máquina de guerra deve continuar livre da intromissão da discussão política pública.

O sistema entra em um ciclo de produção de mais armamentos. Como não há guerra sem inimigos, é preciso inventá-los, produzindo mais conflitos e instabilidades. A perspectiva de incremento do ciclo de violência global forma a base para a grande estratégia de investimentos do complexo militar-industrial.

Há 56 anos, o presidente Dwight Eisenhower classificou como “poder equivocado” o lobby do complexo industrial-militar. Mesmo assim trata-se de um poder que tem crescido desmesuradamente baseado no atendimento de encomendas governamentais. A guerra pode ser um inferno para alguns, mas é o paraíso para uma plutocracia que gere uma economia dela dependente. O problema é que leva todo o planeta a reboque.

*Gustavo Guerreiro é Mestre em sociologia e pesquisador do Observatório das Nacionalidades