Direita na América Latina usa Venezuela como fator de desestabilização

O secretário de Política e Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, falou, com exclusividade para o Portal Vermelho, sobre a atual conjuntura política vivida pela Venezuela após as últimas eleições parlamentares vencidas pela oposição.

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Na análise, o dirigente falou sobre os desafios que terão que ser enfrentados pelo governo de Nicolás Maduro, mas também lembrou da força da Revolução Bolivariana e do legado de conquistas sociais no país.

José Reinado abordou ainda a atitude democrática do governo de reconhecer a derrota sofrida nas eleições parlamentares de 6 de dezembro último e garantir a posse dos parlamentares oposicionistas, que foi realizada em conformidade com o que manda a Constituição venezuelana. Para o dirigente comunista, o governo de Nicolás Maduro deu provas de respeitar e assegurar a democracia.

Como você vê a situação política venezuelana com a posse da oposição no parlamento?

A posse dos deputados eleitos em 6 de dezembro na Venezuela e a inauguração dos trabalhos da Assembleia Nacional para um novo período legislativo confirmam que a Revolução Bolivariana assegura o pleno exercício das liberdades democráticas. Desde a proclamação dos resultados, o presidente Nicolás Maduro, em pronunciamento diante da nação, reconheceu o veredito das urnas. O fato de a Assembleia ter tomado posse sem nenhum incidente, dentro de todos os ritos previstos na Constituição, é mais uma demonstração de que o governo venezuelano respeitou o resultado eleitoral.

O que a imprensa internacional, o imperialismo, a direita internacional, a direita latino-americana e a direita brasileira estão alegando agora é que houve manifestações populares em que supostamente parlamentares oposicionistas teriam sido hostilizados. Estão alegando também que três deputados da oposição não foram empossados.

Primeiro, ambos os lados fizeram manifestações, o que é um direito democrático. Tanto os partidários da oposição quanto os da Revolução Bolivariana realizaram manifestações para saudar seus eleitos. Quanto à impugnação de deputados, é preciso dizer que foram quatro deputados impugnados, três da oposição e um do partido do governo, o PSUV. Foram impugnados porque o poder eleitoral comprovou irregularidades na sua eleição.

É preciso ressaltar o reconhecimento pelo governo da vitória da oposição e a posse da Assembleia, segundo todos os ritos constitucionais pois isto é uma demonstração de respeito à democracia. Igualmente, é necessário caracterizar o que não é democrático. É o comportamento da oposição. A primeira proclamação feita pelo novo presidente da Assembleia e pelos deputados da oposição, da nova maioria de direita, foi de que eles vão derrubar o governo. Ora, o governo do presidente Nicolas Maduro é um governo democraticamente eleito pela maioria da população em eleições limpas e democráticas. Então, quem é que não está reconhecendo o resultado eleitoral? A oposição não está reconhecendo os resultados da eleição presidencial. Não é democrático, nem patriótico, também que anunciem que vão privatizar as principais empresas do país e desnacionalizar a economia venezuelana, revogar leis importantes, aprovadas em legislaturas anteriores, leis que asseguram direitos fundamentais do povo venezuelano e dos trabalhadores venezuelanos, como a lei de terras, a lei do desenvolvimento agrário, a lei orgânica do trabalho e a lei orgânica de preços justos. Revogar estas conquistas não é democrático.

Com isso, essa nova maioria de direita pretende conservar, defender e aumentar os privilégios da oligarquia venezuelana, da classe dominante venezuelana. Também não é democrático pretender anistiar o que eles chamam de presos políticos, mas que na verdade são pessoas condenadas por crimes contra a segurança pública pois atentaram de forma violenta contra a população nas manifestações de 2014, provocando mortes de inocentes. Todos estes que são tidos como heróis e que, aqui no Brasil, motivaram a organização de uma comitiva do Senado, que foi no ano passado à Venezuela fazer provocações.

Eu gostaria ainda de lembrar que o presidente da Assembleia venezuelana, Henry Ramos Allup, recentemente eleito, não tem uma trajetória democrática. É um veterano dirigente de um partido chamado Ação Democrática, um partido que sempre foi ligado ao que na história venezuelana é chamado de Quarta República, que durou entre os anos de 1958 a 1999, quando o saudoso presidente Hugo Chávez tomou posse pela primeira vez. Um partido marcado pelo clientelismo, a corrupção e a métodos antidemocráticos. A Quarta República foi um regime comprometido com o imperialismo e com a opressão ao povo venezuelano. E durante aquele período foram cometidos crimes contra o povo, contra a soberania nacional. Allup é comprometido com este legado.

Diante deste quadro, qual será o principal desafio do governo liderado por Nicolás Maduro?

Eu diria que o desafio principal é defender a Revolução Bolivariana e isso significa, antes de tudo, a defesa da sua doutrina política, a defesa da Constituição, a defesa do programa político. Além disso, é, obviamente, por consequência, a defesa das conquistas sociais da revolução que passam a estar ameaçadas por esta ofensiva da nova maioria de direita.

Existe risco para a continuidade do atual governo? Pode ocorrer uma nova derrota nas próximas eleições?

Nós não podemos desconhecer a dimensão da derrota eleitoral que a revolução sofreu e nem se pode desconhecer a gravidade da ofensiva que o imperialismo e a oligarquia local estão movendo contra a Venezuela, com a finalidade de derrocar a Revolução Bolivariana. Estamos no auge de uma luta política e toda luta política polarizada comporta riscos, seus desfechos são imprevisíveis. Mas eu quero lembrar que não é a primeira vez que a Revolução Bolivariana está sob fogo cerrado. Ela já esteve ameaçada em 2002, quando tentaram derrubar pelo golpe o presidente Chávez e constituiu-se um governo que era uma farsa, do senhor Carmona, que não durou dois dias. Houve também toda uma sabotagem contra a PDVSA, quando se tentou sabotar a produção petrolífera do país, o que foi também um momento marcante. Em agosto de 2004, houve o referendo revogatório contra Hugo Chávez, cujo resultado foi uma contundente vitória da Revolução. E tivemos, em 2014, o que foi praticamente uma insurreição dos grupos fascistas, instrumentalizados pelo imperialismo e pela oligarquia, que provocaram sérios distúrbios da ordem pública, uma tentativa de derrubar o governo por meios violentos. Então, o que estamos vivendo agora é mais um momento de intensa luta política. A última derrota nas eleições em 6 de dezembro de 2015 é mais um episódio dessa luta, não se pode tirar conclusões apressadas nem definitivas e considerar que, a partir daí, nas próximas eleições presidenciais a direita vai vencer.

Quero lembrar que a Venezuela é uma República presidencialista e não parlamentarista, em que o presidente possui importantes faculdades e capacidade decisória. E há outros poderes constituídos. É uma ilusão pensar que a partir de uma maioria conquistada episodicamente a direita irá conseguir desestabilizar o país e empalmar o poder político. Além disso, é preciso considerar que o governo está tomando iniciativas, está tirando lições da derrota que sofreu. Esta semana, foi anunciada uma reforma ministerial importante, o governo está tomando iniciativas para promover mudanças de gestão e corrigir rumos na administração pública, porque, certamente, a insatisfação em amplos setores da população, decorrente das dificuldades econômicas momentâneas do país, da queda do preço do petróleo, da guerra econômica desencadeada pela oligarquia, tem a ver também com deficiências do modelo econômico e de gestão. Eu vejo que o governo está se reorganizando e está tentando melhorar a gestão. Há poucos dias anunciou a implementação de um plano de desenvolvimento da economia produtiva.

E como tem sido a repercussão da conjuntura política venezuelana entre os países da América do Sul?

A repercussão desta crise na Venezuela tem sido utilizada pela direita como um fator de desestabilização aqui e, talvez também em outros países da região, com a seguinte tese: ‘a esquerda está em baixa, a esquerda está sofrendo derrotas e, portanto, todos os processos nos quais a esquerda está no poder (Brasil, Bolívia, Equador, Uruguai, Chile etc.) vão para o buraco, vai haver um efeito dominó’.

Isso é usado como fator de pressão no sentido de desestimular a esquerda no Brasil, de fazer com que ela aceite o fatalismo de que será derrotada. Na Argentina, infelizmente, também houve uma derrota das forças progressistas e lá venceu uma força reacionária, uma força de direita, uma força conservadora, capitaneada pelo novo presidente, Maurício Macri. É sintomático que uma das primeiras medidas desse novo presidente tenha sido uma provocação aberta contra a Venezuela. Ele chegou a propor a exclusão da Venezuela do Mercosul. Então, na Argentina, a situação vivida pela Venezuela tem sido aproveitada pelo grupo que está no poder para insuflar uma campanha continental para impugnar a Venezuela nos fóruns internacionais. Temos confiança em que as forças progressistas argentinas irão conseguir parar este processo.

Aqui no Brasil, não é de hoje que as forças de direita tentam envenenar as excelentes relações entre o governo brasileiro (primeiro o governo Lula e agora da presidenta Dilma) e a Venezuela. E fazem pressões para que o governo brasileiro adote publicamente posições que seriam contrárias ao bom desenvolvimento destas relações. As forças democráticas e progressistas brasileiras, entre elas o PCdoB, são solidárias com o povo venezuelano, com a Revolução Bolivariana, com o governo da Venezuela e eu não tenho dúvidas de que repudiam qualquer tentativa de envenenamento destas relações, repudiam as insinuações, suspeitas e acusações. Nós não podemos admitir que se levantem suspeitas no Brasil ou que se insinue que a Venezuela não estaria respeitando as liberdades democráticas. Eu espero que o Brasil continue cultivando essas excelentes relações com a Venezuela porque isso é benéfico para ambos os países e para o conjunto da América Latina já que Brasil e a Venezuela são pilares não só da Unasul e do Mercosul, mas também da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos).

Finalmente, eu gostaria de dizer que o Partido Comunista do Brasil, através da Secretaria de Política e Relações Internacionais, de seu porta-voz, o Blog da Resistência, do Portal Vermelho, que é o sítio do PCdoB na Internet, de seus militantes e quadros no movimento pela paz e a solidariedade internacional, e em todos os movimentos sociais seguirá acompanhando atentamente a situação venezuelana e intensificando a solidariedade com o país irmão.