ACM em 1999: "As coisas morais nunca foram o forte do senhor Temer”

É golpe. Denunciou a presidenta Dilma Rousseff por diversas vezes desde o início das manobras para aprovar um pedido de abertura do processo de impeachment. Na segunda-feira (11), a máscara dos golpistas caiu com o áudio vazado de um discurso do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), como se o impeachment já tivesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados.

Por Dayane Santos

Temer e Cunha

“Cai a máscara dos conspiradores”, disse Dilma diante dos fatos que evidenciam o cunho sorrateiro contra o seu legítimo mandato. Ela foi enfática ao discursar durante evento no Palácio do Planalto: “Ficou claro que há dois chefes do golpe que agem em conjunto… Não sei direito quem o chefe e o vice-chefe. Um deles é a mão, não tão invisível assim, que conduz, com desvio de poder, o processo de impeachment. O outro esfrega as mãos e ensaia a farsa do vazamento de um pretenso discurso de posse”, disse.

A mídia, que atua como parte desse golpe em curso, deu um verniz de “pronunciamento” ao áudio intencionalmente vazado de Temer. Em entrevista ao Estadão, o vice explicou : “Evidentemente que, cautelosamente, tenho que aguardar aquilo que a Câmara decidir e o Senado vier a decidir depois. Agora, evidentemente que, sem ser pretensioso, mas muito modestamente, devo dizer que eu tenho uma vida pública já com muita experiência. Se o destino me levar para essa função, e mais uma vez eu digo que eu devo aguardar os acontecimentos, é claro que estarei preparado porque o que pauta a minha atividade é exatamente o diálogo”.

Apesar do discurso ensaboado para dar um ar de republicano e de homem preocupado com o Brasil, Temer é conhecido por sua habilidade em manobrar para atender interesses nada republicanos.

Em 1999, o então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, o ACM (então no PFL, atual DEM), decifrou a sua personalidade: "As coisas morais nunca foram o forte do senhor Temer”.

ACM, falecido em 2007, insinuou o envolvimento do então presidente da Câmara em irregularidades no Porto de Santos, para o qual o peemedebista havia feito indicações políticas. “Se abrir um inquérito no porto de Santos, ele ficará péssimo", disparou ACM na época.

Visionário, o senador baiano chamou Temer de “mordomo de filme de terror”. E quem poderia acreditar que hoje, diante da postura do peemedebista, a ideia de clássica da ficção cinematográfica apontada por ACM cairia como uma luva em Temer.

Nos filmes de suspense, apesar de ser um personagem secundário – que não aparecia tanto, mas que presencia tudo – o mordomo era o assassino, o conspirador que durante toda da trama posa de amigo leal. Temer segue esse roteiro. Advogado e professor, tenta alimentar a falsa imagem de um legalista, mas nos bastidores evidencia a sua verdadeira face.

Na entrevista concedida ao Estadão, Temer é questionado sobre a distribuição do áudio em que faz um discurso como se já tivesse empossado, e afirma aos risos: “Eu não sentei na cadeira, não. Instado por amigos meus, que me disseram: "Você precisa se preparar, não é, por que afinal, daqui a alguns dias, se de repente acontecer alguma coisa, o que é que você vai dizer?". E daí, me explico mais uma vez, eu disse: "Olha, eu vou fazer o seguinte, eu vou gravar uma coisa que, em tese, eu falarei, se, em tese, acontecer alguma coisa, e até peço que depois nós possamos burilar essas sentenças e essas palavras". E fiz uma gravação, e em vez de mandar para um amigo (risadas), equivocadamente mandei para um grupo de deputados e vazou alguma coisa, que não tem importância nenhuma, porque o conteúdo daquilo que eu disse eu já havia dito no passado e continuarei dizendo em qualquer momento, porque acho que é disso que o país precisa”.

Ou seja, em tese, Temer diz que não se sentou na cadeira, mas não esconde que está atuando para tal. Disse que já mantém encontro com diversos políticos que o “procuram”, mas destaca: “Você sabe que eu mantenho uma discrição absoluta”.

Itamar não foi conspirador

Seus pares na conspiração tentam comparar a conduta vivida por Temer com sendo a de um “novo Itamar Franco”, que assumiu o governo após o impeachment de Fernando Collor. Uma verdadeira ofensa essa comparação.

Desde o início da crise do governo Collor, Itamar manteve a discrição e o respeito às instituições e ao mandato que assumiu com o então presidente. Discreto e republicano, Itamar Franco desconversava quando o assunto era a crise, mesmo em conversas com seus assessores.

“Durante todo o processo ele [Itamar Franco] não conversava com ninguém. Mesmo quando a crise aprofundou-se, eu disse a ele que deveria estar preparado porque poderia ter que assumir a Presidência da República. Itamar foi taxativo: "Não, isso não é assim e o governo vai saber sair disso”, relatou Henrique Hargreaves, um dos principais assessores do então vice-presidente.

Itamar não entrou para a história como um traidor ou conspirador porque nunca foi. Nunca liderou um grupo de golpistas para tomar de assalto o governo, diferentemente de Temer, que busca o poder a qualquer preço.

Temer não engana ninguém. Assim como a sua carta mimimi, vazada para a mídia para tentar o golpe em dezembro, o áudio também vazado demonstra que não tem nenhuma preocupação com a legalidade ou ao fato de entrar na história como um traidor da Pátria.

Interlocutores citados pela grande mídia, dizem que ele teria se arrependido pela carta vazada em dezembro, não por ter escrito ou vazado, mas porque considerou que foi um ato precipitado.

Trajetória de um mordomo

Na universidade do Largo São Francisco, na USP, em 1962, Temer foi candidato a presidente do CA, perdendo por 82 votos. Diante do golpe militar, diferentemente da presidenta Dilma que enfrentou a ditadura, preferiu não combater e se manteve longe da vida política. Montou um escritório de advocacia e começou a dar aulas de Direito na PUC-SP.

Matéria publicada na BBC Brasil conta que ele dizia aos alunos no primeiro dia de aula que todos estavam aprovados. "Vamos combinar o seguinte: não tem lista de presença, vocês estão aprovados. Quem quiser frequenta a aula. Até se vocês não vierem, facilitam minha vida, porque vou ao escritório mais cedo trabalhar na advocacia."

Em 1982, foi convidado pelo então governador Franco Montoro, a assumir a Procuradoria-Geral do Estado. Montoro tinha sido professor da PUC e ambos haviam convivido na faculdade. "Eu tinha 41 anos e achava o máximo para a minha carreira ter mil procuradores sob meu comando", disse Temer em 2010 à revista "Piauí".

Candidatou-se a deputado federal pelo PMDB em 1986. Apesar do apoio de Montoro, não se elegeu, ficando como suplente. Assumiu o cargo no ano seguinte e participou da Assembleia Constituinte. Podemos apontar que essa ganância em assumir o lugar do titular vem de longe.

Em 1990, tentou novamente se eleger e foi derrotado mais uma vez. Em outubro de 1992, assumiu a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, atendendo o convite desesperado de Luiz Antônio Fleury Filho uma semana após o massacre do Carandiru, quando 111 presos foram mortos pela Polícia Militar.

Saiu da secretaria para assumir o mandato de deputado federal. Foi reeleito em 1994, 1998 e em 2002. Em 2006, sua última eleição como deputado federal, só entrou pelas sobras do quociente eleitoral.

Já agarrado nas entranhas do poder, Temer chegou à Presidência da Câmara, em 1997, com apoio do governo FHC, costurado mediante promessa dos votos de parte do PMDB à emenda da reeleição.

No recém lançado Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso relata, vejam só, o seu desconforto com o "toma lá, dá cá" com o ilustre deputado Temer. "E para ser mais solidário com o governo, ele (Temer) quer também alguma achega pessoal nessa questão de nomeações. É sempre assim. Temer é dos mais discretos, mas eles não escapam. Todos têm, naturalmente, seus interesses".

Como se percebe, Temer não vê problema em assumir à Presidência como resultado desse processo de impeachment fraudulento aberto por seu parceiro Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e outros golpistas.

Para ele, ser presidente ilegítimo seria a única forma de chegar ao poder, mesmo que isso represente uma contradição com os livros que escreveu em defesa do Estado Democrático de Direito.