Fórum 21 debate crise e democracia brasileira

O Fórum 21 em parceria com o Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia iniciaram nesta sexta-feira (15/04), na Assembleia Legislativa do Ceará, as discussões do seminário “Política, Economia, Direito e Mídia: Os Fundamentos da Crise”.

Fórum 21 debate crise e democracia brasileira

Com a apresentação de nomes de expressão nacional, a abertura do encontro contou com a participação de Joaquim Palhares, Diretor da Carta Maior; da professora da Unicamp, Walquíria Domingues Leão Rego; do professor da Faculdade Estácio de Sá, Fernando de la Quadra e do presidente Estadual do PCdoB-CE, Luís Carlos Paes de Castro.

Apesar de anunciada sua participação, a assessoria do ex-ministro Ciro Gomes informou que, por questões alheias à sua vontade, o ex-governador do Ceará não poderia participar do debate. Mesmo com a ausência, as discussões acerca da Política Atual e Desafios da Esquerda, tema da mesa de abertura do seminário, foram ricas e aprofundadas.

“O nome disso é golpe”

Joaquim Palhares, diretor da Carta Maior, iniciou sua intervenção alegando que, por pelo menos três vezes, mudou seu o material a ser apresentado, “devido à conjuntura que se altera a cada minuto”. De acordo com o advogado, o país vive uma quadra decisiva, que marcará o futuro da democracia e da história do Brasil. Segundo ele, “não há como dissimular o nome disso: é golpe. O idioma, o método e os objetivos são de um golpe”, condena.

Palhares citou os fatos históricos brasileiros, apontando semelhanças e singularidades com a realidade atual, dentre eles os interesses norte-americanos nas intervenções. Segundo ele, o país vive uma “disputa coordenada por um condomínio golpista, que divide bônus e ônus do que detém como propriedade, com interesses das grandes corporações transnacionais do capitalismo central e dos neoliberais, ávidos por conquistas cada vez maiores”. O diretor da Carta Maior também alertou sobre o mercado e a difusão das ideias, que provocam um “ambiente de distorções exacerbadas”. “Para isso foi criado o Fórum 21, com o intuito de romper a interdição do debate e clarear os interesses que estão em jogo à sombra do qual viceja o golpe”.

Segundo Palhares, desde sua primeira reunião, lá em dezembro de 2014, o Fórum 21 defende a democratização dos meios de comunicação. “Consideramos indispensável dar transparência aos dois campos que estão em enfrentamento no país. Estamos diante de escolhas cruciais e por isso queremos reforçar as fileiras dos que estão do lado da democracia, mas não apenas para resistir e sim fazer dela uma repactuação com o nosso potencial. É isso que está em jogo. Portanto, vamos ocupar as ruas, os meios de comunicação alternativos, as redes sociais e vamos à luta”.

“Desrespeito ao povo”

Autora da obra “Vozes do Bolsa Família”, Walquíria Domingues Leão Rego conclamou a uma breve reflexão dos momentos da história do Brasil e da democracia. “Se ela é uma mestra, não se sabe, mas para nós o retorno à sua experiência esses dias deve nos ensinar muito”, avalia. Segundo a professora titular da Unicamp, é preciso voltar a estudar certos autores, rememorá-los, torná-los oráculos. “Com isso, poderemos lembrar os mais jovens das eternas repetições com permanentes e contínuos ataques aos direitos do povo brasileiros perpetrados pelas classes dominantes. Esse desrespeito ao direito do povo é farta matéria de nossa literatura”, pondera.

Para a professora, “essa ânsia política de desrespeito ao povo constitui herança carente destituída do que chamamos de cultura pública de democracia, quando forças econômicas atualizam seus modos antidemocráticos de agir e não são fáceis de ser desenhadas pelos cidadãos comuns, pois seu controle e domínio sobre sentimentos públicos são contínuos e permanentes. A indiferença pela política é maior tragédia para uma democracia”. Ela citou os comentários comuns sobre “não ligo para política” ou “político é tudo igual”, como exemplo deste controle.

Walquíria também citou a ânsia da direita brasileira em criminalizar a esquerda. “A direita nunca tolerou a institucionalização da esquerda”. Ela cita Florestan Fernandes que, ainda em 1954, levantou a questão de quais motivos foram dados para que fosse cassada a legalidade do Partido Comunista Brasileiro. “Quais as consequências desta ilegalidade? Qual a mensagem dita ali? A mensagem que passaram foi a de que a política é mais um ‘dos nossos privilégios’, da elite. A tática de desconstruir a esquerda, de modo que omite, esconde e impede que ela apareça, vem de longas datas e se repete nos dias de hoje”.

Segundo a professora, a reformulação de discursos que pensava estar extinto reflete a dinâmica destas forças que se adaptam para impor pensamentos retrógrados. “Estes discursos, que depois da Guerra Fria julgávamos superados, reapareceram, como a rejeição ao vermelho e o jargão de ‘vai pra Cuba’, por exemplo. Se analisarmos a linguagem dessas forças, é de uma grosseria que está entranhada em boa parte da sociedade e é sempre atualizada”, afirma.

Walquíria considera ainda que a “direita se reorganizou com o apoio do Estado, com procuradores que não respeitam a Constituição e que têm um grau de autoritarismo de se auto-intitularem os homens que vão limpar o país, pisoteando direitos civis e políticos enquanto a sociedade aplaudia e era convencida de que aquilo devia mesmo ser feito”. A professora alerta para os desafios que estão prestes a se apresentar. “Temos que estar preparados para luta que virá. A direita mostrou que não reconhecerá mais resultados eleitorais e esse significado ainda não temos como dimensionar para orientar a nossa resistência. As regras do jogo democrático, consagradas na Constituição, não funcionarão. A violação do Estado de Democrático de Direito e seu desrespeito pelos próprios encarregados de defendê-lo, poderá ocasionar uma lacuna na nossa cultura democrática. Pensar e repensar sobre essa lacuna é nosso dever no sentido de preservar nosso convívio democrático e cívico”.

América Latina

O professor da Faculdade Estácio de Sá, Fernando de la Quadra, fez uma abordagem acerca do cenário da América Latina. Para o chileno, a imprensa constrói uma narrativa que aposta no fim do ciclo progressista na América Latina. “Podemos citar o revés de Cristina Kirchner na Argentina, a derrota no referendo de Evo Morales na Bolívia e de Nicolás Maduro na Venezuela, e a guerra contra Dilma no Brasil, já dada como derrotada por parte da imprensa. A mídia tem estimulado esses elementos”, pondera.

Segundo Quadra, os movimentos sociais nunca estão no topo das discussões, “por falta de força e de fôlego suficientes”. “As manifestações brasileiras de junho 2013, por exemplo, foi quase um movimento de reação e de cansaço. Apesar de caótico, ele representa a expressão da nova política. Temos que pensar de forma pessimista na inteligência e otimista na vontade. Vivemos um momento que parte de um ciclo pendular, que pode mudar”. Ele cita o físico Isaac Newton, em sua Lei da Ação e Reação, que traz retornos na mesma medida. “Este momento de refluxo parte do processo para seguir avançando no projeto progressista”.

Fernando ratifica que “ser de esquerda pode ser resumido na vocação pela igualdade e justiça social. E a tendência mundial é que a desigualdade aumente. Por isso a luta da esquerda deve e precisa permanecer vigente”. “A esquerda tem que continuar sendo crítica, mas nem autocomplacente, nem autoflagelante. Os tempos atuais nos cobram uma grande aliança antifascista, contra atitudes homofóbicas, que condenam o aborto, contra os racistas e pobres. Temos que ampliar o debate”, avalia. Além disso, defende de la Quadra, a esquerda deveria voltar-se à formação política e ideológica de sua militância. “Reforçar sua aliança com as bases, comunidades, favelas, sindicatos e igrejas, deixar de lado a política assistencialista, e transformar cidadãos em cidadãos”.

Reformas estruturais e união para além da esquerda

Assim como Joaquim Palhares, o presidente estadual do PCdoB-CE, Luís Carlos Paes de Castro também confessou ter atualizado a conversa “em função da dinâmica da conjuntura e da agenda de resistência para tentar barrar o golpe pré-anunciado”. “O momento é grave, com crise profunda e não temos controle total da situação. No próximo domingo, dia da votação do impeachment na Câmara dos Deputados, poderemos vencer por margem apertada, também poderemos perder e mesmo vencendo isso não vai acalmar os golpistas”, avalia.

O dirigente comunista confirma não ser tão pessimista com o que está acontecendo no mundo. “Já vivemos momentos piores na humanidade. A crise do socialismo real, no final da década de 1980, afetou mais gravemente as lutas democráticas e progressistas. De certa forma, ainda estamos vivendo as consequências dessa derrota. O capitalismo, no plano mundial, principalmente após a queda do muro de Berlim, também vive um momento difícil, pois não entregaram o que prometiam, que era uma sociedade justa e com liberdade”. Paes acrescenta que o “mundo vive uma crise profunda e as forças de esquerda ainda não acumularam força para se colocarem como alternativa imediata viável para enfrentá-la. Mas, por outro lado, os povos, em especial os trabalhadores e a juventude, estão percebendo que a sociedade capitalista não responde às suas necessidades”, afirma.

No Brasil, Luís Carlos considera que o povo tem acumulado, em especial nos últimos anos, experiência de lutas e conquistas importantes. “Caso sejamos derrotados na votação do impeachment, o povo não vai aceitar facilmente. Já estamos resistindo, nas ruas. Seguiremos até domingo, ou até a votação seguir para o Senado. Nosso objetivo é construir uma barreira para impedir o retrocesso. E mesmo se não vencermos, considero esta uma derrota passageira”, avalia.

O presidente do PCdoB-CE alerta para um problema maior que a esquerda ainda não conseguiu driblar. “Não criamos, de forma ampla, uma agenda que nos unifique e possa reunir forças para além da esquerda, com o objetivo de construir um novo projeto nacional de desenvolvimento. Temos dificuldade de fazer este debate, pois ainda não combatemos entre nós este espírito hegemonista. E debates como este de hoje fazem parte desta construção alternativa de futuro para o Brasil”.

O dirigente comunista reforçou que o PCdoB, em 2009, durante o seu 12º Congresso, aprovou um novo programa , “onde coloca para a nação algumas diretrizes do que deveria ser esse novo projeto de desenvolvimento, levando em conta a nossa realidade e a correlação de forças que existe no mundo”. “Continuamos defendendo o socialismo, como filosofia marxista, mas construída dentro de cada realidade e baseada na experiência de seu povo. Estamos dispostos a contribuir com o debate com todos aqueles que também queiram construir um país mais desenvolvido, justo e democrático”. Paes citou, dentre as propostas apresentadas neste novo programa, a importância da efetivação de reformas estruturantes, dentre elas a tributária, a política e a dos meios de comunicação. “Ainda temos muito o que avançar, mas esses três pilares serão fundamentais para continuarmos avançando caso sejamos vitoriosos no próximo domingo”.

Seminário

Após as intervenções foi aberta a participação à plenária. Os questionamentos acerca da fragilidade da democracia e a ameaça de golpe deram o tom das colocações. O seminário “Política, Economia, Direito e Mídia: Os Fundamentos da Crise” prossegue nesta sexta-feira (15) com a mesa “Política Econômica: Brasil, BRICS e Crise Atual”, que contará com a participação de Cláudio Oliveira Silva Filho (Consulta Popular), Inácio Arruda (Titular da Secitece) e Fábio Sobral. Em seguida as discussões serão acerca do “Estado Democrático de Direito: Realidade Constitucional Atual”, com Hélio Leitão (Titular da Sejus e Ex-Presidente da OAB-CE), Guilherme Rodrigues Oliveira (Procurador Geral do Município) e Rubens Leão Rego (Unicamp).

No sábado (16), o tema do seminário é “Mídia e Democracia no Quadro Brasileiro Atual”, do qual participará Luizianne Lins (Deputada federal e ex-prefeita de Fortaleza), Altamiro Borges (Barão de Itararé), Valton Miranda (UFC) e Sandra Helena Souza (Unifor).

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O Fórum 21 é um espaço de debates empenhado na conformação de sínteses programáticas que contribuam para a renovação do pensamento de esquerda no Brasil, formado por intelectuais, professores universitários, jornalistas progressistas, lideranças sociais, sindicalistas e militantes políticos, de várias partes do Brasil.