Carlos Eduardo: O que esperar de um eventual governo Hillary Clinton?
Com os resultados da semana passada, em que Hillary Clinton venceu as primárias dos estados da Pennsylvania, Maryland, Connecticut e Delaware; enquanto Bernie Sanders levou somente o pequeno estado de Rhode Island; já é dado como certo pela imprensa norte-americana de que Clinton será a grande nomeada do Partido Democrata como candidata à presidência dos Estados Unidos da América.
Por Carlos Eduardo, editor do blog Cafezinho
Publicado 05/05/2016 13:15
Apesar do favoritismo de Bernie Sanders sobre Donald Trump – virtual candidato do Partido Republicano após a vitória em Indiana –, nos últimos meses Clinton abriu uma margem confortável, segundo média de pesquisas realizada pelo agregador de blogs, RealClearPolitics.
Diante deste cenário, já podemos prever a eleição de Hillary Clinton como a primeira mulher a assumir o posto mais importante e poderoso do mundo.
Mas o que isso significa para a América Latina?
Qualquer estudante de ensino médio sabe que os Estados Unidos têm um histórico de golpes e intervenções antidemocráticas nos países latino-americanos.
Como admirador de grandes estadistas democratas, como Franklin D. Roosevelt e John F. Kennedy, pode soar contraditório o que vou dizer agora, mas em tese um presidente republicano é mais interessante para nós brasileiros do que um presidente democrata.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial presidentes republicanos tendem a ser adeptos do liberalismo comercial, para o Brasil muito vantajoso. Já os presidentes democratas tendem a privilegiar práticas protecionistas, nada interessante para nós.
No entanto, tudo na política norte-americana é ambíguo.
O republicano Ronald Reagan, por exemplo, foi responsável por adotar algumas das medidas mais protecionistas dos últimos 60 anos, enquanto o democrata Bill Clinton foi responsável por criar o Nafta – Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, ou North American Free Trade Agreement, em inglês – que em parte “beneficiou” a indústria mexicana, transferindo empregos de baixa renda para o vizinho do sul.
Na política externa, se por um lado os republicanos demonstram certa paranoia com o Oriente Médio, por outro, os democratas costumam dialogar e intervir com mais frequência na América Latina. Um exemplo prático deste comportamento foi a recente visita do presidente Barack Obama a Cuba, fato que irritou profundamente os conservadores, contrários a retomada de relações entre os dois países.
Em 2012, reportagem da DW Brasil, por exemplo, afirmava que Mitt Romney seria melhor para o comércio exterior brasileiro que Barack Obama. Contudo, nunca é demais repetir: tudo na política norte-americana é ambíguo. E como Romney não se elegeu presidente, nunca saberemos ao certo com o seria seu governo.
Tenho enorme respeito pela Lei dos Direitos Civis de 1964 (Civil Rights Act of 1964, em inglês), sancionada por John F. Kennedy, que pôs fim ao sistema cruel de segregação racial nos Estados Unidos. Mas também sei que durante o seu mandato e do vice Lyndon B. Johnson o governo americano apoiou o golpe de estado no Brasil.
Nos debates das primárias democratas deste ano, o tema da América Latina é praticamente inexistente. O ponto alto até o momento foi a declaração de Bernie Sanders de que os Estados Unidos deveriam parar de derrubar governos latino-americanos eleitos democraticamente na região.
Contudo, baseado no histórico de Hillary Clinton como Secretária de Estado dos Estados Unidos – o equivalente norte-americano ao Itamaraty brasileiro – podemos ter uma ideia do que será o governo Clinton para o Brasil e a América Latina.
Hillary Clinton gosta de afirmar que tem experiência em política externa e por isso seria melhor presidente que Bernie Sanders ou Donald Trump, já que teria pulso firme nas negociações com Rússia, China, Irã e outros países que não se ajoelham diante do poder bélico norte-americano.
O problema é que a passagem de Clinton como secretária de Estado é marcada por desastres atrás de desastres.
Documentos do Departamento de Estado norte-americano, revelados recentemente, mostram que os Estados Unidos tinham pleno conhecimento de que haveria um golpe de estado contra o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009. E mais: que Washington financiou e aconselhou os atores do golpe – no caso as forças armadas e a pequena elite tradicional e latifundiária do país.
Pra quem não se lembra, em 2009 militares hondurenhos derrubaram um governo eleito democraticamente. Vitorioso com uma plataforma liberal, o então presidente Manuel Zelaya mudou completamente de postura ao longo do mandato. Desafiou interesses de multinacionais, adotou medidas de cunho assistencialista e de distribuição de renda e se alinhou com outros governos de esquerda e centro-esquerda da região, como Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Por seu atrevimento, Zelaya foi acordado no meio da noite por militares pró-Washington, sequestrado e levado para longe de seu próprio país.
A comunidade internacional imediatamente condenou o golpe. Menos os Estados Unidos.
A administração de Barack Obama, e particularmente o Departamento de Estado sob a liderança de Hillary Clinton, defenderam abertamente o golpe de estado em Honduras.
Na época Hillary Clinton era secretária de Estado e ela quem aprovou o financiamento de US$ 26 milhões de dólares do programa ‘Honduras Convive!’, concebido pela Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional (USAID, em inglês) com o intuito de financiar movimentos sociais contrários ao governo de Manuel Zelaya.
Qualquer semelhança com o Movimento Brasil Livre (MBL), supostamente financiado pelos Estados Unidos, não é mera coincidência. A ideia do USAID é justamente financiar grupos radicais e movimentos sociais com o objetivo de desestabilizar regiões consideradas estratégicas pela inteligência americana.
E as semelhanças não param ai.
Hillary Clinton gosta de dizer em seus comícios que “os direitos das mulheres e dos gays são direitos humanos”, mas ela teve papel fundamental na derrubada do governo de Manuel Zelaya, o primeiro político da história de Honduras a introduzir a pílula do dia seguinte no país e lutar pelos direitos da comunidade LGBT. Um político reformador, que contava com o apoio de trabalhadores rurais sem terra, sindicalistas, feministas, homossexuais e ambientalistas.
O regime que Clinton ajudou a instalar acabou com todos os direitos das minorias. Depois do golpe, Honduras tornou-se um dos países mais violentos do mundo, como mostra o excelente blog The Intercept, do jornalista Glenn Greenwald. Esquadrões da morte atuam livremente no país e, na prática, Honduras é hoje uma ditadura disfarçada de democracia.
Atualmente os principais alvos do governo hondurenho são ativistas ambientais ligados aos povos indígenas, que tentam a todo custo frear o avanço da elite latifundiária sobre seus territórios.
Segundo relatório da organização Global Witness, Honduras é o país que mais assassina ativistas ambientais. Na última década Honduras também assumiu a terrível posição de nação com maior taxa de homicídios do mundo: 92 mortes por 100 mil habitantes.
Enquanto isso os brasileiros veem deputados ultraconservadores, em nome da ‘moral, dos bons costumes, família e Deus’, derrubarem uma presidenta de centro-esquerda contra a qual não pesa nenhuma suspeita de corrupção. Não estranhem se no dia seguinte ao golpe esse Congresso dominado por ‘neopentecostais talibãs’ – parafraseando Bob Fernandes – cercear os direitos das mulheres, dos homossexuais, dos sindicatos, dos trabalhadores sem terra, dos índios etc.
No Paraguai, o ex-bispo católico de esquerda, Fernando Lugo, foi destituído do cargo a mando do agronegócio que controla o país. Na época, quase todos os outros países latino-americanos acusaram o impeachment paraguaio de golpe. Mas o Departamento de Estado de Hillary Clinton foi um dos primeiros a reconhecer o novo governo.
De acordo com documentos da CIA divulgados no fim da Guerra Fria, o Pentágono nunca imaginou que um político de fora do núcleo conservador do Partido Colorado pudesse assumir o poder no Paraguai, depois da derrubara do ditador Alfredo Stroessner.
Stroessner governou o Paraguai entre 1954 e 1989 com o apoio da CIA e foi um dos mais ferrenhos aliados latino-americanos dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.
Fiel ao Pentágono, Stroessner apoiou a invasão norte-americana da República Dominicana em 1965 e enviou oficiais do alto escalão das forças armadas paraguaias para estudar na antiga Escola das Américas (US Army School of the Americas, em inglês).
Stroessner também participou na Operação Condor, fruto da imaginação de Henry Kissinger, que viu no Paraguai junto com outros seis países latino-americanos – Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Peru e Uruguai – a possibilidade de coordenar operações clandestinas de terror e assassinato contra ativistas da esquerda entre as fronteiras dos seis países. Stroessner era tão fiel ao governo norte-americano que até ofereceu tropas paraguaias para lutar com os Estados Unidos na Guerra do Vietnã.
A queda de Stroessner resultou num sangrento golpe militar, em 1989, por temores de que ele estava preparando um de seus dois filhos para sucedê-lo. Desde então o Paraguai foi governado por uma série de políticos vindos do Partido Colorado – Juan Carlos Wasmosy, Raul Cubas, Luis Gonzalez, Nicanor Duarte – até chegar em Fernando Lugo.
Teólogo da libertação, ex-bispo da igreja católica e com uma plataforma de centro-esquerda, Lugo foi o primeiro político não-colorado a se eleger presidente do Paraguai, desde 1948.
Governou o Paraguai de 2008 a 2012, quando foi deposto num processo de impeachment que muito lembra o brasileiro – não duvido que Eduardo Cunha tenha buscado inspiração no ‘golpe paraguaio’ para sua vendeta política contra a presidenta Dilma.
O modus operandi do ‘golpe paraguaio’ é idêntico ao que estamos assistindo no Brasil.
Fernando Lugo foi deposto em um processo relâmpago de impeachment, sem nenhuma acusação de corrupção ou desvio de conduta. O relatório final aprovado no Congresso paraguaio apresentou como única acusação o "mal desempenho de Lugo nas funções como presidente", seja lá o que isto signifique. Até porque entre 2010 e 2011 o Paraguai registrou o maior crescimento econômico de toda sua história, aproximadamente 15% ao ano.
Portanto acusar Lugo de "mal desempenho" chega a ser ridículo.
No Paraguai, o autor do processo também foi o partido derrotado nas urnas – Colorado – e o vice-presidente da época, Federico Franco, também traiu o presidente Fernando Lugo, conspirando abertamente com a oposição.
Que as rupturas democráticas de Honduras e Paraguai sirvam de lição para o Brasil.
O impeachment de Dilma não tem nada a ver com combate à corrupção, ou uma suposta má administração por parte da petista. Assim como ocorreu em Honduras e no Paraguai, quem quer derrubar a presidenta Dilma são as velhas elites econômicas corruptas, que não aceitam dividir as riquezas do país com a população mais pobre. E tudo com a chancela dos Estados Unidos, que se aproveita do ‘entreguismo’ das lideranças latino-americanas para explorar o continente.
Preparem-se, pois com Hillary Clinton no comando da Casa Branca devemos esperar por mais e mais golpes na América Latina.