Mônica Dias Martins: Primavera democrática; entre utopia e realidade

Em Washington, na semana de 11 a 18 de abril, a polícia do Capitólio deteve cerca de 1.400 pessoas por participarem de manifestações políticas. Liberadas mediante pagamento de fiança no valor de US$ 50, todas foram acusadas dos delitos de “aglomeração, obstrução e impedimento”, sob a alegação de infringirem uma lei vigente na capital que limita os protestos de rua.

Por Mônica Dias Martins*

manifestação do grupo Primavera Democrática nos Estados Unidos

Os manifestantes, convocados pela campanha intitulada “Primavera Democrática” com apoio do grupo “Despertar da Democracia”, lutam contra a influência do dinheiro na política e a inércia do Congresso em reverter a crescente concentração de riqueza e poder nas mãos de 1% da população estadunidense. Reivindicam, também, a revogação da legislação discriminatória que restringe o direito de voto de indígenas, negros e latinos.

Mas o que é e pretende a Primavera Democrática? Seus organizadores a caracterizam como um movimento de desobediência civil, que conta com ampla adesão de entidades sindicais, pacifistas, ambientalistas, além de personalidades como Noam Chomsky, entre outros intelectuais e artistas.

A desobediência civil, prática política de caráter libertário, remonta à 1849, quando o filósofo e poeta Henry Thoreau, após ter sido preso por se recusar a pagar impostos que eram usados para financiar a guerra dos Estados Unidos contra o México, escreveu um ensaio pregando a resistência ao governo. Um ano antes, as revoluções em série conhecidas como “Primavera dos Povos” haviam incendiado boa parte da Europa. A publicação do Manifesto Comunista, de Marx e Engels, defendia a união e organização da classe operária, alimentando ações de rebeldia. Os levantes populares contra as monarquias absolutistas, repercutiram, inclusive, no Nordeste brasileiro com a eclosão da Revolução Praieira, em Recife.

A concentração popular em Washington foi antecedida por uma marcha de dez dias, iniciada na cidade de Filadélfia em 2 de abril. Os dois atos pretendiam chamar a atenção da opinião pública para as principais reivindicações da Primavera Democrática: exigir do Congresso o fim do financiamento milionário das campanhas políticas e assegurar eleições livres e justas nas quais sejam assegurados direitos iguais aos cidadãos. Tais condições ideais, de fato, nunca existiram; porém, desde 2010, a legalização dos “super-PACs”, comitês de ação política que podem angariar quantidades ilimitadas de praticamente qualquer fonte para os candidatos, contribui para que os interesses corporativos corrompam tanto os pleitos eleitorais quanto a administração pública.

Os representantes republicanos que se opõem sistematicamente a aprovar propostas do governo democrata vêm sendo responsabilizados em debates públicos e no próprio Congresso de macular dois imperativos básicos de um regime que se pretende democrático: “o direito de votar e o direito de ter seu voto respeitado”. Neste sentido, o alvo imediato das manifestações de abril parece ser a tensa campanha presidencial de 2016, na qual apenas um dos candidatos se comprometeu com inovações políticas: o Senador Bernie Sanders que concorre às prévias pelo partido democrata e cujo programa tem como eixo o socialismo democrático.

Obviamente, a grande mídia não noticia os protestos em que predominam tendências de esquerda, mas acolhe aqueles insatisfeitos com a crise vivida pela sociedade estadunidense. Segundo análise da organização Media Matters for America, os programas de televisão vespertinos e do final de semana de maior audiência nacional ignoraram as manifestações e apenas uma emissora dedicou menos de meio minuto ao assunto, sendo a cobertura concentrada nas prisões sem a menor menção aos objetivos da campanha pela democracia.

Em sua página na internet, a Primavera Democrática afirma que o atual sistema político privilegia os muito ricos e impede os governos de avançar em medidas que beneficiem a imensa maioria de pobres, seja a reforma na saúde e educação, as mudanças climáticas, os direitos dos trabalhadores, a violência policial, o encarceramento em massa, etc… Os problemas gerados pela histórica desigualdade social não se resolverão sem uma revolução política. E conclui: caso a situação persista, o próximo presidente e os futuros congressistas serão, talvez, ainda mais subservientes ao poder do capital.

*Professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Coordenadora do Observatório das Nacionalidades