Em menos de uma década, três golpes na América Latina

Foi-se o tempo que os Golpes de Estado chegavam a bordo de tanques de guerra. Agora são chamados de “golpes brancos”, e são elaborados com um tripé básico: grande imprensa, judiciário e oposição bem articulada. Em 2009 o presidente eleito democraticamente Manuel Zelaya foi deposto em Honduras, apenas três anos depois, em 2012, Fernando Lugo sofria um julgamento político e deixava a presidência do Paraguai. Quatro anos mais tarde o alvo é o Brasil.

Por Mariana Serafini

Manifestação na Ponte da Amizade - Frente Brasil Popular

Nem Honduras, nem Paraguai se recuperaram rapidamente do baque político que um golpe causa. A instabilidade econômica, a falta de credibilidade entre o povo e o receio de que algo pior aconteça pairam no ar por um longo período. Afinal, não faz três décadas que acabaram as ditaduras militares na América Latina.

No Paraguai o golpe foi relâmpago, aconteceu em apenas 72 horas. Mas a conspiração, obviamente, começou assim que Lugo tomou posse. É comum ouvir dizer que na pátria Guarani não houve resistência. De fato, as manifestações poderiam ter sido maiores, não fosse um massacre realizado 7 dias antes do julgamento político.

O clima no país era de terror. O episódio que antecedeu o golpe de Lugo ficou conhecido como “O Massacre de Curuguaty”, e passados quatro anos, ainda não terminou. O conflito aconteceu em um assentamento sem-terra conhecido por Marina Kue (Foi da Marinha, em guarani) onde uma operação policial de proporções bélicas promoveu uma reintegração de posse, o resultado foi 17 mortes: sete policiais e onze camponeses. Até hoje uma dezena de trabalhadores rurais estão presos sem provas e os oficiais nunca foram punidos.


Manifestação realizada no local do massacre de Curuguaty, um ano depois | Foto: Mariana Serafini 


Marina Kue foi o impulso para a oposição acusar Lugo de “incapacidade administrativa”. Diziam que por culpa da má administração do presidente, “as pessoas estavam se matando no campo”. Em apenas uma semana o golpe foi articulado e o ex-bispo deposto, com um forte apoio da igreja Católica. Mas as manifestações de resistência aconteceram em todo o país e foram barbaramente repreendidas.

A repressão no Paraguai foi digna de cinema. Lá é comum as pessoas mais pobres, do interior, viajarem em caminhões “pau de arara”. Centenas desses partiram em direção à capital, Assunção, nos dias que antecederam ao golpe, mas poucos chegaram. Havia barreiras policias no meio da estrada que simplesmente não permitiam os motoristas de seguirem viagem. Houve também quem tentou embarcar em ônibus comerciais na cidade de Foz do Iguaçu, na fronteira, e foi impedido. “Brasileiro não vai para Assunção hoje”, disseram os funcionários de empresas rodoviárias.

No dia do golpe, 22 de junho de 2012, o clima em Assunção era de guerra. Haviam franco-atiradores posicionados em todos os prédios ao redor da praça do Palácio do Governo. A manifestação foi repreendida com bombas de gás lacrimogênio, balas de borracha e cassetetes. Não faltou quem fosse preso e permanecesse por alguns dias no cárcere. O crime? Defender a democracia.

No Brasil, os movimentos sociais se levantaram contra o golpe em todo o país. A resistência cresce a cada dia e a repressão também. Durante a sessão de votação da admissibilidade do impeachment no Senado, realizada nesta quarta-feira (11), os movimentos sociais ocuparam Brasília para rechaçar o golpe e foram severamente reprimidos pela polícia, assim como no Paraguai, com bombas, tiros e cassetetes. O crime é o mesmo, a defesa da democracia.

Poucos dias antes, na segunda-feira (9), uma foto circulou a internet e chocou o país: um policial militar enforcava com as mãos uma jovem manifestante em plena Avenida Paulista, uma das mais importantes do país, durante uma manifestação contra o golpe. Ao mesmo tempo, estudantes ocupavam escolas país afora, para exigir melhorias na educação e rechaçar a quebra do processo democrático.


Em 2012 os movimentos sociais brasileiros e paraguaios fecharam a fronteira para protestar contra o golpe no Paraguai 


O que aconteceu no Paraguai depois do golpe pode ser o futuro do Brasil: repressão, criminalização dos movimentos sociais, perseguição a dirigentes políticos e sociais. Além de receosa e amedrontada, a população paraguaia passou a não acreditar mais nos processos democráticos e nas instituições. A participação nas eleições que aconteceram um ano e meio depois do golpe foi baixa, e o partido do vice-presidente golpista, Federico Franco, o Partido Liberal Radical Autêntico, ficou com a mancha de quem atenta contra a democracia no século 21.

O golpe serviu, principalmente, para devolver o poder ao partido Colorado, que permaneceu seis décadas consecutivas no poder antes de Fernando Lugo. Os velhos coronéis, com os mesmos projetos, voltaram a comandar o país depois de um curto respiro da população que acreditou na possibilidade de obter conquistas sociais e melhoria da qualidade de vida dos mais pobres.

Lugo não fez nada que se compare aos 12 anos de governo do PT. Sequer ousou implementar um programa de distribuição de renda, como o Bolsa Família; não ampliou universidades, nem aumentou a inclusão social. Foi deposto por muito menos. Em uma entrevista com o deputado paraguaio Ricardo Canese apenas um ano depois do golpe, ele afirmou que “Lugo deu o direito das pessoas acreditaram que poderiam ter uma vida melhor, porque nem isso existia no Paraguai”. Bastou para ter um projeto progressista interrompido.