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“Aqui jaz a Cultura brasileira”, por Toni C.

Na garganta não passa, tem quem ofereça um gole d’água pra engolir o pato. Sem chance.

Diz você se é exagero ou se o roteiro é de Negro Drama.

“Aqui jaz a Cultura brasileira”, por Toni C.

Têm uns seis meses em que disponibilizei meu nome na disputa por uma vaga no Conselho Nacional de Cultura. Fiz campanha, submeti a avaliação minha trajetória, pedi voto a cada um com o compromisso de contribuir com a discussão, elaboração e denúncia quanto cidadão da sociedade civil nos temas culturais. Disputei com outros 13 candidatos no setorial de literatura e recebi 49% dos votos no Estado de São Paulo.

Daqui pra lí, assisti o país virar de ponta cabeça:

Lavajato é a lavagem cerebral em tempos de falta d’água.
Gordos interesses em suas varandas entoando panelas.
Petrolão uma mancha para esconder o crime da Vale em Mariana.
Sequestro de um ex-presidente para abafar o bolsa à família extraconjugal de outro ex-presidente.
Um tríplex em Guaruja fazendo sombra no tríplex de Paraty.
Vazamentos de ligações pra diluir a lista com mais de 300 ladrões.
A Copa do Mundo foi a “revolta” de quem dizia preferir saúde e educação.
Protestam com a camisa da Nike / CBF, não ria, contra a corrupção.
Mas quando os estudantes ocuparam as salas de aula, para mantê-las abertas e contra o desvio da merenda, os mesmos preferiram acompanhar a final do Paulistão.
Assistimos um bando de criminosos, em nome da família, condenar uma mulher por sua não cumplicidade, saudação ao torturador e um beijo a esposa e ao filho.
E nessa brincadeira, a democracia é assassinada por bala perdida.

Por muito menos, revoltosos dos 20 centavos queimaram ônibus, pararam o país. Exigiram passe livre e conquistaram… aos golpistas.

Bom, até aqui nada que você não saiba, alardeado em manchetes envenenadas.

O meu testemunho é de uma cena que o telejornal não mostrou. Convivi por estes dias com famílias acampadas vindas de todas as partes do Brasil. Abandonaram suas vidas para assegurar o voto que deram ou não deram, mas que precisa ser assegurado. Conversei com líderes e pessoas anônimas, negros e sindicalistas, padres e indígenas, periféricos e sertanejos. Ouvi a poucos metros o discurso da presidenta diante do Palácio do Planalto, dizendo um “até logo”, sem abaixar a guarda. Olhei no olho de cada um e o que enxerguei bem lá no fundo foram histórias mais nobres que esta que vou contar, a minha:

Finalmente chegou o grande dia, todos orgulhosos para o ato solene de posse com a presença do Ministro que faz questão de receber um a um. Flashes, selfies, sorrisos. Eu, entreguei um livro que trazia em minha mochila ao Juca (nunca ví ministro ser tratado de modo tão informal). Poesia Pra Encher A Laje, é o título do meu parceiro INQUÉRITO, Renan que convoca um multirão para um novo patamar… a laje é teto mas também é chão, mirante da quebrada.

Tranquilo, favorável. #SQN

Meu nome no Diário Oficial como conselheiro empossado, 48 horas depois era questionado pelo vice-presidente conspirador golpista Michel Temer.

A primeira ação de um autoritário antidemocrático é abolir os espaços construídos democraticamente. Temer faz isso com uma medida provisória que extingue o Ministério da Cultura.

A sexta-feira 13

Para supersticiosos esta é uma data de mau agouro. O dia 13 de maio historicamente é o dia em que negros devem ser eternamente gratos pela princesa branca ter feito a benevolência de nos libertar, segundo a versão oficial. Nesta sexta-feira 13 de maio, uma Lei Áurea às avessas nos devolve a escravidão em forma de um governo ilegítimo.

Amigos às vezes falam o que você sente e não sabe como dizer: “Tem gente reclamando da ausência das minorias participativas na composição dos ministérios de Temer. Eu não! Ao contrário, acho bom! Me orgulho em saber que mulheres e negros estão fora dessa cretinagem golpista. Ainda bem!
E tem mais, incluo nessas minorias os homossexuais e honestos. Sim, "honestos" pois pessoas honestas são tão minorias na política quanto os demais grupos que citei.
Portanto, parabéns às mulheres, aos negros e homossexuais e também aos honestos por não participarem dessa coisa nojenta.” (Demetrios dos Santos)

Não foi a única presidenta mulher que foi deposta nesse dia, foram as políticas sociais que permitiram a dignidade dos mais pobres, o extermínio da miséria e porque não os votos que recebi como conselheiro de um ministério que poucas horas depois foi extinto.

A Cultura não precisa de um ministério, ela é definida pelo núcleo artístico das organizações Globo, a metralhadora do golpe.

Aqui jaz a cultura.
Descanse em paz!

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“Hora da merenda”

* Autor dos livros: Sabotage – Um Bom Lugar, e do romance O Hip-Hop Está Morto, integrante do Conselho Nacional de Cultura na área de Livro, Leitura e Literatura, membro da direção da Nação Hip-Hop Brasil, diretor de cultura da ORPAS, diretor do coletivo LiteraRUA, e integrante do Portal Vermelho.