Penélope Toledo: Democracia Futebol Clube

Os gols mais bonitos deste início de temporada no Brasil foram marcados pelos torcedores que defendem a democracia. As faixas, cartazes e coros denunciando o golpe de Estado que é o impeachment sem base legal, os golpistas e a atuação determinante da emissora Rede Globo foram verdadeiros gols de placa!

Por Penélope Toledo*

Faixas da Torcida Ultras Resistência Coral, do Ferroviário do Ceará

Nada mais natural, pois o futebol, além de ser considerado o mais democrático dos esportes – pela facilidade de suas regras, pela pouca infraestrutura necessária, porque não faz distinção de tamanho, cor e classe social etc, – tem sido historicamente utilizado, dentro e fora de campo, como palco de resistência e luta.

A relação estreita entre futebol e democracia se dá tanto nas questões relativas ao próprio esporte, quanto na sociedade. No primeiro caso, há lutas em curso para a democratização do futebol, como contra o alto valor dos ingressos, que chegam a R$ 300, excluindo das arquibancadas o/a torcedor/a pobre.

Outra bandeira é o combate ao monopólio das transmissões em TV aberta pela Globo, pois além de tirar a chance de escolha, obriga que se pague canais por assinatura. A mesma Globo é alvo de outra crítica: a imposição dos jogos às 22 horas, que acabam quando o transporte público já parou de funcionar – o coletivo Futebol, Mídia e Democracia, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé (1), desenvolve a campanha “Jogo 10 da noite, não!" (2).

Também é pauta democratizante a maior participação dos torcedores/as nas políticas e decisões dos clubes, com o direito de votarem e de serem votados/as como representantes e dirigentes.

Já a relação futebol-democracia na sociedade se dá dentro e fora dos gramados. O movimento mais famoso dentro de campo é a Democracia Corinthiana (3), nos anos 80, que liderada por Sócrates, Casagrande e Wladimir, enfrentou simultaneamente o autoritarismo dos dirigentes do clube e o autoritarismo dos governantes ditadores militares.

Antes disso, em outra ditadura (Vargas, 1945), o Vasco cedeu o estádio de São Januário para sediar o discurso do líder comunista Luiz Carlos Prestes, recém-anistiado, para 100 mil pessoas (4). Há, ainda, o envolvimento de jogadores/as e clubes em campanhas contra o racismo e pela paz, exibindo faixas na entrada do time e/ou mensagens em camisetas nas comemorações dos gols.

Também é inegável o crescimento de futebolistas ocupando cadeiras nos ministérios e no Congresso Nacional, embora alguns, infelizmente, marquem verdadeiros gols contra.

Não é só no Brasil que futebol e democracia jogam no mesmo time. Dentre muitos exemplos, três craques internacionais da atualidade merecem ser mencionados: Cristiano Ronaldo, Lionel Messi e Karim Benzema. O português se recusou a trocar sua camisa com a de um jogador de Israel nas eliminatórias para a Copa de 2014, justificando que não trocaria camisa “com assassinos” – em referência ao massacre israelense ao povo palestino, – além de aparecer em fotos exibindo cartaz escrito “Todos con Palestine”.

O argentino também posou para fotos se solidarizando com os palestinos, nas quais veste uma camiseta escrita “Palestina livre” e declarou se preocupar com as crianças da Faixa de Gaza. Já o francês, filho de imigrantes argelinos, não cantou o hino de seu país na estreia da seleção dos bleus na Copa de 2014, em um protesto silencioso contra a xenofobia presente na letra do hino e na própria sociedade francesa.

A democracia também se senta nas arquibancadas e o que não faltam são exemplos de faixas, cartazes, bandeiras, camisetas e coros com posicionamentos políticos de torcedores/as comuns e de torcidas organizadas, estas últimas, compreendidas aqui como movimentos sociais.

Além do golpe de Estado, temas recorrentes são a solidariedade a greves de categorias profissionais como professores/as, repúdio aos aumentos nas tarifas dos transportes públicos, combate ao racismo e apoios a movimentos populares.

A organizada corinthiana Gaviões da Fiel, que foi a primeira torcida a exibir faixa pedindo a anistia dos presos políticos em 1979, fez passeatas cobrando a CPI das merendas desviadas das escolas pelo governo do PSDB, além de declarar guerra à Rede Globo. Seus rivais palmeirenses, por sua vez, criaram um movimento antifascista, a exemplo de vários outros clubes de todas as regiões do Brasil, dos quais se destaca a Ultra Resistência Coral, do Ferroviário do Ceará, cujo lema é: “Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes”.

A compreensão, por parte de jogadores e torcedores, do futebol enquanto palco de resistência e luta pela democracia é fundamental para que ele cumpra este papel cada vez mais e com mais soberania.

Os atletas precisam se dar conta de que são ídolos e influenciam gerações, e que nisto há uma enorme responsabilidade. As torcidas e movimentos precisam aprofundar a percepção de que são sociedade civil organizada, com força política para reivindicar e conquistar direitos no futebol e na sociedade.

Não faltarão acusações e tentativas de criminalização, como acontece com todos os movimentos sociais, por isto é imprescindível deixar a rivalidade dentro do estádio e se unir em defesa dos interesses comuns e em defesa do Brasil – que não é o da CBF, mas o do povo brasileiro.

Futebol e política são indissociáveis, e tão logo jogadores e torcedores entendam isso, mais cedo se fará a profecia do Dr. Sócrates: “tem a ver com mudanças da sociedade; é mais profundo que futebol”.

Saiba mais:

1 – Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé: http://www.baraodeitarare.org.br/
2 – Campanha “Jogo 10 da noite, não”: https://www.facebook.com/Jogo-10-da-noite-N%C3%83O-1920840968140548/
3 – Democracia Corinthiana: https://www.meutimao.com.br/historia-do-corinthians/fatos-marcantes/democracia_corinthiana
4 – Luiz Carlos Prestes discursa em São Januário: http://www.netvasco.com.br/n/140467/em-1945-lider-comunista-luiz-carlos-prestes-reuniu-100-mil-pessoas-em-comicio-em-sao-januario-veja-foto-e-discurso