Penélope Toledo: "Até que ela entende de futebol"

"Você gosta mesmo de futebol? Mas acompanha, entende as regras? Até o impedimento?". Tenho certeza de que muitas mulheres, ao lerem, se lembrarão das inúmeras vezes em que se depararam com estas e outras perguntas análogas.

Por Penélope Toledo*

Torcedoras do Ceará Sporting Club

Responder a indagações do tipo é o lugar-comum da história de cada mulher que gosta de futebol, como também é rotina receber de volta uma expressão incrédula, um olhar de desconfiança e até um “parabéns”, como se isso nos tornasse mais inteligentes ou mais evoluídas do que as nossas colegas. Parece inimaginável, para muitos homens, que mulheres sejam capazes de compreender a nada difícil regra do impedimento e que se sintam absolutamente familiarizadas com as normas, questões táticas e jargões futebolísticos.

Diante disto, por “generosidade” ou para exibir seus vastos conhecimentos sobre o tema, estes rapazes desconfiados se desdobram nas explicações excessivamente didáticas. Certa vez, após uma confusão generalizada na área que resultou em gol, perguntei ao indivíduo que estava ao meu lado na torcida corinthiana: “de quem foi o gol?”, ao que ele me respondeu: “do Corinthians”. Curioso é perceber que, para ele, eu sequer sabia que o meu time estava no ataque.

Pior quando entender de futebol é pré-requisito para a atividade profissional da moça, como no caso das jornalistas esportivas, e ainda assim prevalece a incerteza quanto ao seu domínio sobre o tema. Segundo Paulo Vinícius Coelho (2003), até a década de 70, quando se multiplicaram os movimentos feministas e suas conquistas, era quase impossível ver mulheres trabalhando com cobertura esportiva. Ainda assim, comumente as repórteres eram encaminhadas para as editorias de esportes amadores, não futebol.

O crescimento da presença feminina nas redações esportivas se deu duas décadas depois, em ritmo nem tão veloz. Na TV, a primeira mulher a participar de uma cobertura esportiva foi em 1998, Anna Zimmerman, e a primeira a comandar um programa em formato de mesa redonda foi em 2007, Renata Fan, da Bandeirantes. Ambas vistas com muita suspeita, como são até hoje encaradas as mulheres que ocupam funções de destaque ou postos de chefia nas redações esportivas, como se não estivessem ali por capacidade própria, mas por benefício e/ou interesse de terceiros. Sem falar no ciúme ou boicote quando o nível de conhecimento delas sobre futebol é maior do que o de muitos homens.

Também é alvo de desconfiança a capacidade técnica das mulheres para comandar um time de futebol. Ne modalidade feminina há a presença de treinadores dos dois gêneros, mas no futebol masculino apenas em 2014 uma equipe foi comandada por mulher, o Clermont Foot, da segunda divisão francesa. Corinne Diacre, ex-capitã da sua seleção e uma das principais jogadoras da história da França, tornou-se a primeira treinadora de um time profissional masculino em todos os tempos. Antes dela, a portuguesa Helena Costa, que trabalhou na categoria de base o Benfica e comandou a seleção feminina do Irã em 2012, recebeu o mesmo convite, mas recusou.

É importante perceber que a incredulidade sobre a competência feminina para comandar transcende o futebol. Os motivos para a derrubada da presidenta Dilma vão desde o interesse em interromper as investigações, até a indignação da classe média por ter perdido seus privilégios agora que pobre está na universidade, empregada doméstica tem direitos e todo mundo pode consumir produtos e serviços que ela julgava exclusivos. Entretanto, é inegável o forte ingrediente machista na perseguição à Dilma, evidente nas adjetivações e na valorização do estereótipo de mulher “bela, recatada e do lar”, personificada na primeira-dama interina.

Porque se restam dúvidas na sociedade sobre a capacidade da mulher para compreender a elementar regra do impedimento, quem dirá sobre a sua capacidade para presidir uma nação.