Américo Souza: Futuro do pretérito ou o tempo de silenciar panelas

Por *Américo Souza

Controle Social - Reprodução

Como homem, branco, heterossexual, com mais de 40 anos, egresso de escola particular, que não precisou de cotas para ingressar na universidade pública, entre outros “méritos”, eu deveria estar contente com o “novo Brasil”, nascido a fórceps na manhã do dia 12 de maio. Não estou. Não estou, pois sei, por experiência própria e dever de ofício, que é este o perfil de quem há séculos promove a misoginia, o racismo, a homofobia, a corrupção e a exclusão social neste país, e quanto de esforço precisamos eu e outros tantos (uns tantos poucos, importa dizer) para romper com esta programação perversa com a qual fomos escolarizados.

Por isso mesmo, vejo as ações do governo Temer conjugadas no futuro do pretérito, figura de tempo que, diferentemente do sentido que possui na linguística, pode ser definida como a construção do futuro pela apropriação de práticas e valores do passado. No curso da história, entusiastas do futuro do pretérito já conceberam como moderna a escravidão, que havia sido abolida na Idade Média, retomando-a como instrumento para desenvolvimento da Europa e “civilização” da América, na Idade Moderna.

No Brasil de hoje, delegam às mulheres o lugar de esposas (seres sem política, recatadas e do lar), buscam derrubar as normas que asseguram percentuais mínimos para o financiamento da educação e da saúde e, como coroamento de tudo, rejeitam as políticas culturais como parte da estrutura do Estado, recriando valores e práticas da República Velha, oligárquica e opressora, com o objetivo magnânimo e impoluto (acredite quem quiser) de promover o desenvolvimento econômico e combater a corrupção.

O passado recriando o futuro. É tempo para silenciar panelas e desligar os trios elétricos das “cívicas micaretas”, pois nele a elite branca pode, enfim, dormir em paz, embalada pelos versos ufanistas de Dom e Ravel, e acordar bradando seus velhos e carcomidos slogans: Ninguém segura este país! Brasil ame-o, ou deixe-o!

*Américo Souza é historiador e professor da Unilab

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