Exemplo: Por incitação ao estupro, Bolsonaro torna-se réu

*Arruda Bastos

Exemplo: Por incitação ao estupro, Bolsonaro torna-se réu

Abordei em artigos anteriores o tema do estupro no Brasil. No primeiro, intitulado Estupro é estupro e ponto final, comentei o episódio dantesco do estupro coletivo na cidade do Rio de Janeiro. Já no segundo, tratei do caso do jogador de futebol Wescley, que, na época, estava para ser contratado pelo Ceará Sporting Club, mesmo respondendo à denuncia de estupro e agressão contra a namorada (Wescley: suspeita de estupro não pode ser desprezada). Infelizmente, o jogador foi contratado e já estreou na série B, enquanto eu continuo com o meu pensamento: foi um verdadeiro desatino do meu time do coração. 

No artigo de hoje, trato da decisão da 1ª turma do STF (Supremo Tribunal Federal) que aceitou a denúncia contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e o tornou réu em duas ações penais. Ele responderá por incitação ao crime de estupro e a uma queixa-crime por injúria à deputada federal Maria do Rosário (PT-RJ) ocorrida enquanto discursava na Câmara.

Relembremos o fato: Bolsonaro, em discurso no plenário da Câmara dos Deputados, em 9 de dezembro de 2014, disse que só não estuprava a deputada federal Maria do Rosário porque ela não merecia. O pronunciamento na época causou grande revolta por parte da sociedade e principalmente das entidades que batalham contra a cultura do estupro no Brasil.

Durante o julgamento no STF, o ministro Luiz Fux, relator do processo, afirmou que "a violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo". Ele afirmou também “que não se pode subestimar os efeitos dos discursos que possam gerar consequências como o encorajamento da prática do estupro”. Disse ainda votar favoravelmente à abertura das ações penais devido o referido deputado repetir suas declarações posteriormente em entrevista aos órgãos de imprensa.

Para concluir suas considerações, o ministro  Fux ainda afirmou que Bolsonaro não pode ser protegido pela prerrogativa de imunidade, haja vista que  o que o parlamentar externou não tem nenhuma relação com a atividade que exerce na Câmara. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso acompanharam o relator e também votaram pela abertura das ações penais. Já o ministro Marco Aurélio deu o único voto contrário. 

Os advogados de defesa de Bolsonaro utilizaram o argumento de que os congressistas devem ter direito à liberdade de expressão e afirmaram que o número de estupros no Brasil não tem ligação com as declarações. Foi uma tese infeliz, uma aberração, acredito que foi utilizada por falta realmente de outra justificativa.

Imaginem, meus leitores, se os deputados que, infelizmente em grande número, respondem por diversos crimes, acobertados pela imunidade parlamentar, passassem a defender na tribuna suas práticas com o uso dessa justificativa esdrúxula. A ladainha de todo dia seria: vamos roubar, desviar recursos, fraudar licitações, abrir contas no exterior, receber propinas, estuprar quem merece e muito mais. Na linha do argumento da defesa de Bolsonaro isso não acrescentaria uma gota na criminalidade do Brasil. Digo que o exemplo é tudo.

Para terminar, afirmo que a decisão do STF de abrir as duas ações penais contra o parlamentar foi das mais acertadas. Quem cometeu injúria e fez apologia ao crime de estupro deve responder pelos seus atos. Considero uma vitória da nossa sociedade na incansável busca de justiça e contra a cultura do estupro, bem como um marco no caminho do combate à impunidade no Brasil.

Compartilho com todas as entidades, mulheres e, sobretudo, com as vítimas de violência sexual e de qualquer natureza, a minha satisfação de redigir esse artigo.

*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-Secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos Coordenadores do Movimento Médicos pela Democracia.