Venezuela: um diálogo aos gritos

Todos falam do diálogo necessário na Venezuela como única via para uma pacificação permanente, indispensável num momento em que se teme por crises maiores em muitos países da região – devido à ofensiva neoliberal, os golpes brandos, os retrocessos nos processos de inclusão social – que, entre outras coisas, possa tornar impossível a efetivação da quase assinada paz na Colômbia.

Por Aram Aharonian

Henrry Allup e Nicolás Maduro - Reprodução

Para que essa solução seja viável, é necessário haver conciliação no país que compartilha mais de 2,2 mil quilômetros de fronteira terrestre comum com os colombianos.

Instâncias sul-americanas e pan-americanas, influentes figuras internacionais e entidades como o Vaticano e a União Europeia, estão dedicados ao tema venezuelano, mas vários obstáculos ainda fazem difícil o diálogo entre o governo bolivariano de Nicolás Maduro e a oposição: o referendo revogatório do mandato presidencial, os chamados presos políticos, a convivência entre os poderes públicos, a grave crise econômica e a presença e pertinência dos facilitadores.

Hoje, o governo bolivariano expõe como um triunfo a “normalidade” com a que assumiu as presidências pró tempore, tanto da União de Nações Sul-americanas (Unasul) como do Mercado Comum do Sul (Mercosul), apesar da posição revanchista do governo paraguaio, emanada do golpe brando contra Fernando Lugo.

Surpreende na oposição as mudanças dos protagonistas: Leopoldo López e sua viajante esposa Lilian Tintori desapareceram das manchetes, para dar lugar ao “renascer” do duas vezes frustrado candidato presidencial Henrique Capriles, líder da campanha pelo referendo, e ao verborrágico Henry Ramos Allup, o preferido dos meios de comunicação, por seu discurso provocador e permanentemente contraditório.

Enquanto os dois bandos – o do governo e o da desunida oposição – fazem o incansável duelo dos “pontos de honra”, numa insuportável guerra de microfones insuflada pelos meios hegemônicos, começa a ficar clara a necessidade do envolvimento da sociedade venezuelana para o estabelecimento de um debate real, como forma de alcançar uma negociação política com compromissos concretos que beneficiem a população.

O representante de Washington, Thomas Shannon – especialista em criar expectativas e não chegar às soluções – afirma que “o país está bastante polarizado e a narrativa que o governo e a oposição oferecem são muito diferentes. As pessoas se perguntam se estão no mesmo país que as outras, de opinião tão diferente”, após esclarecer que o diálogo não precisa ser o único canal político.

Num tom claramente interventor, Shannon insiste em que a facilitação internacional “não deve ser usada apenas para dirimir diferenças políticas, mas também criar uma plataforma através da qual o governo e a oposição possam pedir ajuda à comunidade internacional, para enfrentar a crise significativa que a Venezuela enfrenta”.

O Foro de São Paulo também deu um apoio unânime ao diálogo na Venezuela, rejeitando qualquer tipo de ação estrangeira. Ernesto Samper, o colombiano que é secretário geral da União de Nações Sul-americanas convidou ambas as partes a colocar em prática um cessar fogo midiático bilateral.

Num tom pouco democrático, Henry Ramos Allup, presidente da Assembleia Nacional e um dos líderes atuais da oposição declara que não assistirá mais os encontros com os mediadores, que se realizam na República Dominicana – excluído da Unasul – porque “as agendas para o diálogo com o governo será definida pela oposição”, tentando definir como sede do diálogo o seu terreno, a sede da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ninguém pode saber ainda se seu midiático balão de ensaio tem como objetivo fechar as portas do diálogo, ou mais que isso, forçar a intervenção externa.

O mais provável é que as estratégias comunicativas despertem a desconfiança, o medo coletivo, a criminalização e a confrontação – parte do clima de desestabilização permanente – numa retórica bélica, com discursos legitimadores pela iminente e inevitável confrontação, o tão temido “choque de trens”.

Para a socióloga Maryclén Stelling, está demonstrado que predomina no discurso dominante das elites políticas, sociais e midiáticas do país o tom guerreiro de confrontação e desqualificação do “outro”. Impera a injusta generalização do adversário, o inimigo, o culpado, o receio e a desconfiança se impõem, o ataque como prioridade, em vez da ponderação e a prevenção, os recursos que fomentam a incomunicação política”.

Por que a OEA não votou para ativar a Carta Democrática contra a Venezuela? Cada um tem sua própria interpretação. Para o governo, a OEA engavetou o informe de Luis Almagro e, tanto ele quanto Ramos Allup (que não pode impor sua presença na reunião), “ficaram chupando o dedo”. Setores da oposição acreditam que “se trata de um processo”, e afirmam que ela já está ativada de alguma forma.

O analista opositor Luis Vicente León argumenta a história demonstra como as crises econômicas severas costumam ser desastrosas para os governos nas eleições, mas não são os disparadores clássicos das rebeliões populares que derrubam governos, e diz que a tese de que o mandato de Maduro está totalmente debilitado contra uma oposição fortalecida é uma conclusão atrevida.

“Uma situação na qual o governo defenestra deputados adversários, atiça a super maioria legislativa contra si, bloqueia todas as decisões da Assembleia Nacional e se dispõe a fazer manobras para bloquear o exercício de um evidente direito constitucional, como é o referendo revogatório, enquanto a oposição não consegue fazer absolutamente nada mais além de jogar o jogo, não proporciona provas concretas para demostrar a hipótese da reversão de forças no país”, raciocina o colunista, um dos preferidos da oposição.

León reconhece que a relação entre o governo e o setor militar, “que participa ativamente numa espécie de cogoverno”, é forte, e analisa que as organizações internacionais regionais que tentam pressionar por mudanças ou negociações têm algumas limitações vinculadas ao fato de que os espaços administrativos não podem buscar soluções contra adversários políticos que depois podem ser usadas contra suas próprias fileiras…

PSUV e a MUD em crise

O fato é que a oposição continua dividida com respeito à forma de lutar contra o governo: alguns acreditam no referendo revogatório, outros preferem esperar a eleição para novos governadores regionais, previstas para o fim deste ano, e há os que sonham com alternativas violentas, com ou sem participação estrangeira. E esse parecer ser parte do desespero pela assumida incapacidade assumida de vencer politicamente o governo. Esta consumada tendência ao fracasso desmoraliza permanentemente sua base social.

Enquanto isso, o governo trabalha na recuperação das suas próprias forças, com marchas permanentes e presença multitudinária nas ruas, com disposição combativa. Par o analista Néstor Francia, o chavismo começa a mostrar alguns avanços na batalha simbólica.

O ambiente político é cada vez mais tenso, e ambas as partes apostam em exterminar o inimigo. Apesar disso, a aparição do novo ator sociopolítico que cresce ao sabor do descontentamento não conformou uma terceira força, embora algumas lideranças opositoras insistam em tentar criar essa nova onda.

Mas também há vozes como a do general retirado Clíver Alcalá, outrora chavista, que agora defende a renúncia de Nicolás Maduro – o que significaria sua substituição pelo vice-presidente Aristóbulo Istúriz, um experimentado político que teria maior capacidade de manejar a crise econômica, política e social – e uma atitude mais indiferente com relação à oposição, sem entorpecer o processo de referendo revogatório: “o povo perdeu a confiança em Maduro, a frustração é evidente, as pessoas estão passando fome. A única saída é que ele saia do poder”, alegou Alcalá.

Alcalá afirmou que o falecido ex-presidente Hugo Chávez “se equivocou” ao escolher Maduro como seu sucessor, e se declarou a favor do revogatório: “muitos venezuelanos não estão de acordo com o que está acontecendo, e as Forças Armadas são parte do povo venezuelano. Estamos a um passo de uma crise humanitária”, questionou.

Porem, uma eventual renúncia de Maduro geraria uma grave crise, que levaria as duas principais forças políticas do país – o governista PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) e a opositora MUD (Mesa de Unidade Democrática) – a enfrentar pequenas crises internas, já que nenhuma delas saberia escolher facilmente os seus candidatos numa iminente eleição presidencial. Na MUD, Leopoldo López, Manuel Rosales e Antonio Ledezma, se fossem indultados ou anistiados, sairiam da cadeira para disputar contra Henrique Capriles, María Corina Machado, Henry Falcón e Henry Ramos Allup, entre outros, o direito de ser o representante do setor contra o chavismo.

Dentro do chamado “chavismo crítico”, a ideia defendida é a de fazer uma retificação ao governo, e se perguntam que tipo de acordo foi selado entre Maduro e Shannon, que se reuniram recentemente e apertaram as mãos. Dentro do setor bolivariano, começam a se conformar as fileiras governistas através do que se chamou Plataforma do Povo em Luta e do Chavismo Crítico, onde convergem sindicatos, coletivos, e organizações como a Maré Socialista e o Partido Socialismo e Liberdade.

Nessa plataforma, são expostos nove pontos: um plano de emergência alimentária e de saúde, aumento geral dos salários, fim das demissões em empresas públicas e privadas, derrubada de leis e normas que restrinjam o direito à greve e à manifestação, auditoria pública a empresas importadoras, reforma agrária democrática, anulação do Decreto do Arco Mineiro, rescisão dos contratos do setor petroleiro e a moratória do pagamento da dívida externa.

O diretor do diário Últimas Notícias se surpreendeu ao saber que há setores do PSUV que estudam seriamente a possibilidade de dissolver a Assembleia Nacional, uma medida que seria de faculdade exclusiva do Presidente da República. “Será que eles conseguem imaginar os efeitos que isso teria na política exterior? Já não estamos numa época em que essas manobras fujimoristas são aplaudida”, comentou um editorial do periódico.

A população venezuelana se vê diante de um mapa político que mais parece um complexo quebra-cabeças retórico, em torno a uma crise que já é complexa em si, e também se debate sobre o aspecto ético de tudo isso. A cidadania acumula sensações negativas, ansiedade, insegurança e medo, medo dos saques e dos assassinatos, desamparo e desesperança devido ao desabastecimento e ao custo de vida. O cotidiano se tornou uma espécie de debate global de temas polêmicos que convocam diferentes graus de racionalidade, e uma imensa gama de emoções, positivas e negativas, segundo análise da socióloga Maryclén Stelling.

Enquanto o governo não consegue trazer soluções, a oposição continua sem oferecer nenhuma ideia, um projeto de futuro, que permita o país sair do labirinto. A guerra de microfones, a verborragia desqualificadora, vêm sendo impedimentos à formação de instâncias que possibilitem o diálogo. A Venezuela é um país onde se torna cada vez mais difícil construir.