A vitória das Farc é, sobretudo, uma vitória da humanidade

“Soy guerrillero. Empuño el fuzil e a combatir/ hasta vencer o hasta morir, por justicia y paz que es lo que quiero” (Julián Conrado, o cantor das Farc)   


Em meio a uma América Latina conturbada, cercada pela direita internacional, com forte ameaça à sua soberania, a Colômbia consegue avançar e dar um passo largo rumo a um continente independente e fortalecido.

Por Mariana Serafini

Guerrilheiro das Farc - Reuters

O acordo bilateral e definitivo de cessar-fogo entre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo) e o governo colombiano significa muito para o campo político da região, mas principalmente, para o povo latino-americano. Trata-se de uma vitória de quem lutou incansavelmente por paz, justiça e liberdade sem se render ou trair seus princípios.

A guerrilha começou a se organizar, principalmente no campo, ainda na década de 60, inspirada pelo triunfo da Revolução cubana, em 1959. A fim de conter uma “cubanização” na América Latina, o Estado colombiano se tornou um verdadeiro agente do terror. O crime organizado e o paramilitarismo ganharam força, com a justificativa de combater uma incontrolável onda vermelha. Desde então a Colômbia vive em guerra. Uma guerra que durante todo este período teve muitas tentativas de diálogo e paz, mas nunca avançou tanto como agora, graças aos Diálogos de Paz, realizados em Havana, Cuba, desde 2012.

A Revolução Cubana inspirou esquerdas de toda a América Latina e para conter a organização dos trabalhadores e dos partidos progressistas, a direita internacional jogou pesado contra o continente. Neste período começou, além do conflito na Colômbia, todas as ditaduras militares latino-americanas. O quadro colombiano, porém, é ainda mais complexo porque mesmo em um Estado de Direito, o governo passou a agir com o apoio do paramilitarismo.

Mas a guerrilha é composta por gente simples, majoritariamente camponeses e outros trabalhadores da cidade ligados à política de esquerda e aos movimentos sociais. E estas pessoas, por razões óbvias, não têm interesse em uma guerra, lutam por justiça, paz e liberdade. Em diversas ocasiões, tentaram recorrer à via democrática e propor o fim do conflito. Com este objetivo, na década de 80, centenas de guerrilheiros ingressaram no Partido União Patriótica a fim de se integrar à vida política. Foi então que a guerra se intensificou. A direita, em conluio com o crime organizado, armou um plano de ação que assassinou mais de 5 mil membros do partido de uma vez só.

Esta ação criminosa desestabilizou a esquerda e fez os guerrilheiros se refugiaram ainda mais na floresta colombiana. Ao mesmo tempo, a resistência se fortaleceu e o paramilitarismo passou a agir com mais truculência. Já passam de 9 milhões de pessoas despejadas de suas terras. Os paramilitares invadem pequenas propriedades no campo e expulsam os trabalhadores com duas alternativas: fugir ou morrer. O fim do conflito e a reintegração à vida social é a única esperança que estas pessoas têm de recuperar seus pequenos lotes de terra para voltar a uma vida digna.

Durante a administração de Álavro Uribe (2002 – 2010) os Estados Unidos instalaram seis bases militares na Colômbia e enviaram um grande contingente das Forças Armadas para combater a guerrilha. Milhares de camponeses foram assassinados, com a desculpa de que “eram guerrilheiros”. Esta ameaça atinge todos os países da América Latina, por isso a paz na Colômbia significa a soberania continental. O imperialismo não terá mais nenhuma justificativa para manter seu poder bélico em nosso território.

Guerrilheiros na floresta comemoram o cessar-fogo | Foto: La Nación


Por este motivo as Farc são, talvez, a maior resistência do nosso tempo. Um povo aguerrido que não abriu mão da luta e se manteve firme, no campo e na cidade, com a disciplina exigida de verdadeiros revolucionários. Um povo que sorri e se embrutece sem perder a ternura e sem abandonar o amor por uma pátria livre e soberana. O mundo mais justo e igualitário que eles defendem é construído diariamente na medida do possível. Cerca de 40% dos membros da guerrilha são mulheres. Militantes que não viram outra saída a não ser pegar em armas em um país onde não se respeita sequer a liberdade de pensamento. 

Como diz os versos de Julián Conrado, os guerrilheiros empunham o fuzil com a coragem de quem lutará até a vitória ou até a morte, sempre. Porque entregar a vida por uma causa justa é escrever a história da libertação dos povos da América de Simón Bolívar. Este acordo de cessar-fogo não é ainda o acordo final de paz, mas era, sem dúvida, o mais difícil de ser conquistado. Isso só foi possível graças ao empenho tanto dos guerrilheiros, quanto dos organismos internacionais – Unasul principalmente – e dos movimentos sociais de toda a América Latina que pressionaram o governo colombiano pelo fim do conflito. Além disso, Cuba teve um papel fundamental ao abrir as portas para receber o diálogo.

Apesar da pressão norte-americana e do poder bélico do crime organizado com aparato do Estado, as Farc não se renderam e pavimentaram pela via democrática o caminho para a paz. São vitoriosos os guerrilheiros e compartilham esta vitória com toda a humanidade porque esta é a grande batalha do nosso tempo. Como disse Julián: já basta de tanta exploração contra os proletários, a luta por justiça para nós é agradável de se ver. O dia 23 de junho, quando foi assinado em Havana o acordo bilateral e definitivo de cessar-fogo, entra para nossa história como uma nova independência. Neste dia os povos da América venceram uma grande batalha contra o imperialismo.

Ouça a canção de Julián Conrado: