Estupro no casamento. É possível?

Sim, é possível. Quando a mulher é forçada a manter relação sexual, esta pode ser reconhecida como estupro, mesmo entre um casal. O estupro marital é reconhecido pela Lei 10.015 de 2009.

estupro marital - Gazeta de Chapecó

Nesta semana a comunidade chapecoense debateu a questão do estupro numa relação conjugal. A palestra “Contrato sexual: Aceitação do estupro marital e a flexibilização da violência” foi ministrada pela advogada e pesquisadora Fernanda Pacheco Amorim. A promoção foi do Centro de Referência em Direitos Humanos Marcelino Chiarello, em parceria com a UFFS (Universidade Federal Fronteira Sul).

De acordo com a advogada, até bem pouco tempo atrás a legislaçao não reconhecia a possibilidade do conjuge estuprar a própria companheira. Essa situação foi reconhecida por meio da Lei 10.015 de 2009. “Foi feita essa alteraçao reconhecendo que o estupro pode ocorrer dentro de um relacionamento, porque na prática isso acontece. A mulher não necessariamente tem que querer sempre, mas ainda é visto como uma obrigação”, comenta Fernanda.

Outra dificuldade enfrentanda pelas mulheres está prevista no Código Civil, que traz a ideia do débito conjugal. Ou seja, a relação sexual é um dever dentro do casamento. De acordo com Fernanda, o débito conjugal é usado para anular o contrato de casamento, embora grande parte dos tribunais brasileiros entenda que não se pode cobrar a relação à força.

Entretanto, na prática não é sempre assim que as coisas ocorrem. Juridicamente falando, o estupro marital é lei e não há mais o que se discutir, deve ser cumprido e os culpados devem ser punidos. “Só que a aplicação disso não é feita da forma como deveria. Usa-se de subterfúgio jurídicos para absolver o acusado, porque a gente ainda vive uma cultura patriarcal e machista muito forte”, comenta a advogada.

“A nossa legislação hoje traz a igualdade entre o homem e a mulher e a igualdade de direitos e deveres no casamento, tanto que a ideia do débito conjugal vale tanto para o homem como para a mulher, os dois poderiam anular um casamento por isso, mas na prática não é isso que se vê”, expressa Fernanda.

Um exemplo de decisão judicial

A advogada Fernanda Amorim analisa uma decisão de 2010 sobre violência doméstica e estupro marital do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Aconteceu o estupro, foi reconhecido que houve o estupro no casamento, mas os desembargadores, em sua análise, aplicam o princípio da consunção: é quando um crime maior absolve um crime menor, explica ela. “Só que eles aplicam de maneira deturpada”, acrescenta.

Fernanda conta que o marido batia e fazia ameaças para a esposa, e os desembargadores entenderam que a lesão corporal e o crime de ameaça absolveram o estupro, e não condenaram o homem por isso. “Eles fizeram uma análise totalmente deturpada da situação, porque eles admitem que houve a relação sexual, só que os desembargadores, no Tribunal, desacreditam da palavra da vítima. Aplicam esse princípio de forma deturpada, justificam as atitudes por questões hormonais, fazem uma fundamentação que de jurídica não tem nada, é uma fundamentação machista”, ressalta a advogada.

Segundo Fernanda, os Tribunais em todo o país tomam esse tipo de decisão. “Não tão escrachado, eles usam de outros subterfúgios para absolver, porque os nossos tribunais são arcaicos. São desembargadores em regra da época da Ditadura Militar, e machistas, criados dentro dessa cultura, foram criados com a cultura patriarcal muito forte e eles a reproduzem”, analisa ela.

A pesquisadora e advogada lançará um livro com a análise desse caso, apontando os machismos presentes na decisão. A publicação também contará com artigos abordando outros tipos de violência.