Sandra Helena de Souza: O impeachment no banco dos réus

Por: *Sandra Helena de Souza

Tribunal Internacional contra o golpe

Em almoço com Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho, confessei minha melancolia enquanto aguardávamos a sentença do julgamento do ‘impeachment’ da presidente Dilma Rousseff no Tribunal Internacional pela Democracia, ocorrido em 19 e 20 últimos no Teatro Oi CasaGrande, no Rio de Janeiro.

A grande mídia ignorou solenemente o evento, mas a blogosfera e a atuação do midiativismo permitem uma ampla visão do acontecimento: pode-se assistir a ele na íntegra no Youtube e ler online a sentença condenatória proferida magistralmente por Juarez Tavares, o juiz do Tribunal. Tudo ao alcance de um clique.

Inspirado nos Tribunais Russel I/II, idealizados pelos filósofos Bertrand Russel e Jean-Paul Sartre nas décadas de 1960/70 que julgaram respectivamente os crimes praticados pelos EUA na Guerra do Vietnã e as ditaduras latino-americanas, constitui-se como Tribunal de Opinião, provocado pela sociedade civil, sem caráter institucional, sempre que se considere que a violação de direitos básicos por parte do Estado tem efeitos dramáticos para a sociedade e para a própria democracia.

A originalidade ficou por conta de dar-se este Tribunal no local e curso do processo, aclarando o debate público sobre o papel que cabe ao STF: julgou-se a matéria jurídica mesma do impeachment – a existência de crime de responsabilidade ou de qualquer conduta dolosa que implicasse atentado à Constituição da República e aos fundamentos do Estado brasileiro por parte da presidenta eleita – sem, é claro, descuidar-se de seus incontornáveis aspectos políticos.

Um júri de notáveis de França, Espanha, Estados Unidos, Colômbia, México, Itália, Argentina e Costa Rica ouviu as alegações de defesa e acusação do impeachment, que estiveram a cargo de Margarida Lacombe e Geraldo Prado, cada um tendo arrolado quatro testemunhas que desfilaram o que há de melhor em termos de argumentação jurídico-política referente ao caso.

Nem preciso dizer de minha maior curiosidade: justamente as alegações da legalidade do impeachment. Meu mister exige essa disposição em compreender o mais desapaixonadamente possível os argumentos adversários. A banca esmiuçou a denúncia e as alegações finais escritas por Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr, além do relatório do senador Antonio Anastasia. Que peças, meus caros, que peças.

Impossível não sentir tristeza depois dos votos implacáveis do corpo internacional do júri: é golpe. As palavras de José Carlos Moreira, testemunha e vice-presidente da Comissão de Anistia, me representam inteiramente, entretanto: “Participar do Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil foi uma experiência que me deu ainda mais forças e ganas de resistir e lutar sempre pela democracia e um projeto popular para o Brasil. Temos que resistir sempre, continuar lutando pelo retorno da democracia. Não importa quanto tempo leve. Guardem bem as pessoas que hoje resistem, mas ainda mais aos que se omitiram e aos que estão patrocinando esse golpe. Não surpreendem os autoritários de sempre, mas não nos enganemos novamente com esses golpistas que imaginávamos serem democratas. A história não esquecerá o papel ao qual cada um se prestou.” Não mesmo.


*Sandra Helena de Souza é professora de Filosofia da Unifor; membro do Instituto Latino Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)

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