Defesa de Dilma, um documento para a história e a luta pela democracia
O processo político-jurídico do impeachment entrou na sua fase final no Senado. A posição dos senadores que votaram pela continuidade do processo revelou algo já esperado. Confirmou que estes tinham já formado o seu sentido de voto, indiferentes à matéria factual e aos testemunhos produzidos. O seu voto foi determinado pelas mesmas motivações políticas que condicionam o processo desde o seu início.
Por Alexandre Weffort*
Publicado 12/08/2016 08:49
O desempenho coletivo do Senado, e individualmente dos senadores, marcará o futuro imediato da sociedade brasileira e a história do Brasil. Mas, fica desde já para o entendimento dessa mesma história, o contributo decisivo dado por José Eduardo Cardozo na peça processual com que apresenta a defesa da presidenta Dilma Rousseff.
Texto com mais de quinhentas páginas, independente do seu mérito jurídico (da forma como estabelece a base factual e legal da defesa), é já um documento histórico e um contributo inestimável para a compreensão do Brasil contemporâneo, das causas sociais, econômicas e políticas da crise.
A responsabilidade política do Senado é elucidada por Cardozo em termos objetivos. “Nos sistemas presidencialistas, o presidente da República pode ser destituído, em situações excepcionalíssimas, por meio de um processo de impeachment. Nestes processos, todavia, diferentemente do que ocorre no parlamentarismo, não será admissível uma destituição decidida por razões exclusivamente políticas” (pg. 5), enquadrando a razão política a que o Senado deve atender: “Exige-se, além da comprovação do ilícito, uma avaliação política sobre a dimensão do dano da consumação do impeachment para os interesses do país e da sociedade” (idem).
Demonstrando a natureza golpista do processo de impeachment em curso, Cardozo apresenta ainda, no passo conclusivo da peça de defesa, a razão maior da luta política que o processo representa: “O dever democrático de se impedir a consumação de um golpe no Brasil” (título do 10° capítulo da defesa).
Cardozo sublinha expressamente as “lutas, angústias e terríveis sofrimentos pavimentaram um longo caminho percorrido para que pudéssemos chegar, finalmente, a viver sob a proteção de um Estado Democrático de Direito” (pg. 519) e conclui: “Para a história ficarão os fatos registrados em documentários, reportagens e livros. Mas, sem dúvida, os principais registros estarão feitos nas páginas deste processo” (pg. 520). E sublinha a responsabilidade que impende sobre o Senado e os senadores, citando a presidenta Dilma Rousseff: “Os que forem dignos e honrados, se nessa luta capitularem, não deixarão, cedo ou tarde, de sentir o terrível peso da vergonha, ao vislumbrarem seu próprio rosto no espelho da história” (pg. 522).
O texto da peça de defesa elaborada por José Eduardo Cardozo é, desde já, um contributo pela lucidez da análise e riqueza do enquadramento dado à questão jurídica. Mas é, também, um documento fundamental para a análise da questão política, das causas mais profundas que conduziram ao golpe, causas que remetem para a história da América Latina e o seu longo caminho de libertação face à opressão neocolonial norte-americana.
Cardozo contribui ainda para um entendimento mais profundo da dinâmica sociocultural em que a crise se desenvolve: “Seria ilusão imaginar que estes processos de impeachment são propulsionados, única e exclusivamente, pelas forças políticas que fazem oposição ao chefe do Executivo. Na verdade, via de regra, eles acabam se tornando factíveis apenas a partir da ocorrência de certas situações em que, dentro de um determinado contexto de crise, o governo perde a sua sustentação política no Poder Legislativo” (pg. 11).
Nessas situações, a politização do Poder Judiciário apresenta como consequência direta a judicialização da política. Mas, a perda de sustentação política assinalada por Cardozo aponta uma questão essencial: a necessidade de construção de uma base política efetiva para a construção de um caminho democrático e de progresso social, processo esse que passa tanto pela luta política institucionalizada (como ocorre no âmbito do Congresso), como pelo exercício efetivo da democracia (nas eleições municipais em preparação e na sociedade civil, nos movimentos sociais e na luta de classes).
*Alexandre Weffort, residente em Portugal, é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura
(Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho)