Rosemberg Cariry: Um sentido para viver

Por *Rosemberg Cariry

Jovem

Aproximei-me de um adolescente, filho de um amigo, e, como estava próximo do seu aniversário, perguntei-lhe: “O que você quer?”. Com uma clareza do sol do meio-dia e agudeza de um fio de navalha, ele respondeu-me: “Um sentido para viver”. Tomei um choque, fiquei em silêncio diante daquele jovem apavorado e confuso.

Por ser da classe média, a esse jovem não faltam o melhor tênis e a roupa de grife, os jogos eletrônicos mais caros e sofisticados, em que o vencedor recebe prêmios pelo número de mortes, pelos estupros e pelas cabeças degoladas do inimigo; não faltam a ele todos os apelos do consumo nem mesmo todas as pornografias, violências, loucuras e sombras, disponíveis na internet. A indústria alimenta os horrores da guerra, os brinquedos eletrônicos, os sabonetes químicos, os filmes-espetáculo, os alimentos manipulados causadores de câncer, só vendo pela frente o lucro. A voracidade do capitalismo não permite as firulas da ética e, sobre as multidões de excluídos e montanhas de mortos, faz tremular a bandeira da cobiça, da agressividade e do individualismo.

Quem pode salvar esses jovens da classe média? Os pais que acreditam que os mercados redimirão o mundo? As escolas que os preparam para serem vencedores-tratores, passando por cima de tudo, para terem carros, dinheiro e mulheres “belas, prendadas e do lar”? As igrejas neopentecostais com seus pastores corruptos pregando a suposta guerra santa e a negociação com Deus, na base de 10%? As sinagogas que justificam os bombardeios de escolas na Faixa de Gaza? A igreja católica, sua ala conservadora e manipuladora, pelo braço do Opus Dei, que reage ao discurso inovador e humanitário do papa Francisco? Certa imprensa que vende horrores, manipula opiniões, defende os interesses dos seus patrocinadores e apoia os golpes mais sujos contra a democracia e os direitos do povo? Os políticos corruptos? A esquerda exaurida e sem resposta para a crise civilizatória que se abate sobre o mundo?

Se um jovem da classe média está nessa condição de “sem-saída”, podemos imaginar como está o jovem da favela e da periferia, sem nenhuma perspectiva, a não ser a guerra do tráfico de drogas, da delinquência e da penitenciária (o que corresponde a uma descida ao inferno). O que fará esse jovem, na sua comunidade, que, por ausência do Estado, foi ocupada pelas facções criminosas?

Nós, adultos, também precisamos de um sentido para viver. Em que acreditamos mesmo? Se a violência já nos habita e mora dentro de nós, o mal-estar civilizatório (Freud) é mais do que um simples mal-estar, é o anúncio do quanto a nossa civilização está podre. Os senhores-do-mercado triunfaram na guerra, na indústria, na ciência, na mídia, no controle das consciências, na superficialidade dos produtos culturais e na linha de montagem da educação que abovina.

A modernidade fracassou. Tão imensa tragédia não cabe em nenhum filme.

*Rosemberg Cariry é Cineasta e escritor

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