Guadalupe Carniel: A morte de dois jogadores do futebol

Antigamente eu adorava parar e ver os jogos. Nos idos anos 1990, estava pelas ruas jogando bola e, ao voltar para casa, passava em frente a algum bar e lá estava passando alguma partida numa TV de tubo. De bater o olho no campo eu já sabia onde o jogo era, sem nem reparar em torcida ou nas equipes. Dependendo, parava ali mesmo para tomar uma tubaína.

Por Guadalupe Carniel*

Estádio do Morumbi: Ponte Preta x Corinthians, 9 de outubro de 1977

Nunca acreditei em jogos de 11 contra 11. Eram 13 contra 11 e eu posso atestar e provar para vocês que todas as equipes que eu vi jogar como mandante até meados dos anos 1990 jogavam com dois a mais.

Eu explico: independentemente do esquema tático, eles sempre tinham um a mais na defesa e um no ataque, isso é algo que não mudava. O jogador a mais no ataque era a torcida. Gritando, inflando, pulsando, fazendo festa e tudo tremer, empurrando a equipe para a frente e tornando a vida de torcedores e jogadores adversários um inferno, até acuá-los. Já na defesa, vinha o estádio. Sim, ele era o forte, regido por místicas, com identidade e nome próprios, alguns que até nos assustam, como por exemplo, Defensores del Chaco ou Libertadores de América. E jogar na altitude de La Paz? E no antigo Olímpico? Jogar em La Bombonera era rezar e agradecer se saísse com o empate.

O estádio é aquele zagueirão xerife que defende e garante que o décimo segundo jogador esteja presente e massacre sem dó o visitante, que coitado, sempre fica espremido num canto, com a pior visão possível da peleja.

Ainda há uma figura importante, o homem de ligação dos dois, a arquibancada. Ela faz parte do estádio e do torcedor. Do estádio pela estrutura; do torcedor é a confidente, quem acompanha os principais momentos da vida de todos nós. Ali é nossa casa. Você sabe onde ficar para fazer com que o técnico adversário ouça seus xingamentos, em que trecho do alambrado é mais fácil para atazanar a vida do juiz. A equipe sabe como está o gramado, se deve ser molhado ou não, qual a melhor chuteira a usar e como aproveitar melhor os espaços do campo já que conhece todos os centímetros de suas dimensões.

Hoje em dia tudo isso se perdeu. Devido às punições, o décimo segundo jogador não pode mais fazer festa, levar bandeiras com mastro, papel picado e sinalizador. Ele não participa mais da partida, apenas contempla. Ele também mudou de nome, virou consumidor e faz parte de uma plateia que no máximo aplaude e tira selfie para aparecer num telão com cara de bobo.

A arquibancada até está ali, tímida, pecho frío porque não pode mais ficar tão próxima dele, já que possui uma barreira física: cadeiras. E quanto aos estádios, estão morrendo, sendo padronizados, em modelos sem vida que você não consegue definir qual é a cancha, mas sempre cheios de pompa, que servem para shows, eventos, espetáculos, tudo, menos para o principal, o futebol.