Comunista dos EUA fala sobre a eleição e a esquerda em seu país

Em entrevista à Lucivânia Nascimento dos Santos, cientista social e militante do PCdoB, o dirigente do Partido Comunista dos Estados Unidos da América (Communist Party of the United States of America – CPUSA), Joe Sims, discorre sobre as eleições presidenciais no seu país, o papel imperialista dos Estados Unidos e sua influência sobre a União Europeia.

Manifestação contra Trump organizada pelo CPUSA

Sims trabalha como jornalista no Partido Comunista dos Estados Unidos há 25 anos. Primeiro trabalhou na Liga da Juventude Comunista (Young Communist League-YCL). Depois como editor durante 15 anos do jornal teórico do CPUSA. Atualmente, é membro do Conselho Nacional do CPUSA e coordenador de mídia social e trabalho do partido.

Conte-nos sobre a sua atuação profissional e a sua atuação no CPUSA.

Joe Sims, do Partido Comunista dos Estados Unidos
Joe Sims

Meus trabalhos envolvem a coordenação do trabalho do partido e dos nossos meios de comunicação social. Temos duas publicações, peoplesworld.org e cpusa.org. A tarefa consiste em aplicar a ideia leninista de construção do partido em torno da imprensa para o século 21 e meios de comunicação social. É um grande desafio para nós e exige uma mudança de cultura, a prática e a aprendizagem de novas tecnologias. Alguns dos nossos companheiros ainda estão investidos na experiência do século 20 com publicações impressas, de modo que, fazer a transição é difícil.

Temos duas experiências no partido: o tradicional, onde camaradas são organizados em clubes em cidades de todo o país e um novo, onde novos membros juntam-se on-line em pequenas cidades e vilas. Estas duas experiências devem ser coordenadas e combinadas. Esse é o meu trabalho.

Eu sou um membro do Conselho Nacional do CPUSA (comissão política) e comitê nacional (Comitê Central).

O que você pensa sobre o sistema eleitoral dos Estados Unidos?

Temos um sistema de dois partidos com eleições diretas. A eleição presidencial é diferente porque há um "colégio eleitoral", que elege o presidente. A forma como este colégio eleitoral funciona é que cada estado, em função da sua população, tem um certo número de votos eleitorais, o candidato ganha o estado se tiver o maior número de votos. Portanto, em outras palavras, temos 50 eleições estaduais separadas.

Com base nestas eleições estaduais, após o Colégio Eleitoral votar em Novembro, reúne-se e, em seguida, elege o presidente. Nessa situação, você pode ganhar o voto popular, mas perder a eleição como na eleição de 2000, quando Al Gore perdeu.

É muito difícil para terceiros partidos participar das eleições. Chegar nas cédulas é muito difícil e requer um grande número de assinaturas. Há dois terceiros partidos concorrendo neste ano, mas eles são incapazes de participar dos debates porque eles não conseguiram chegar a 15% nas pesquisas de opinião pública. Portanto, é muito antidemocrático.

Este momento da disputa é bastante acirrado entre Hillary Clinton e Donald Trump. Uma pesquisa da rede CBS News e do jornal The New York Times, há apenas duas semanas do primeiro debate entre os candidatos, mostra Hillary com uma vantagem de dois pontos (44% a 42%), que quando concentrada em eleitores registrados expande cinco pontos (46% a 41%). Na sua opinião, quais são as consequências para a América Latina se Donald Trump for eleito presidente dos Estados Unidos?

Trump é um político muito perigoso e demagogo. Ele planeja construir um muro entre os EUA e o México e deportar imigrantes. As duas questões principais são o comércio e a imigração. Em relação ao comércio, ele diz que é contra o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e outros acordos comerciais. Duvido que continuará após a eleição porque esses pactos comerciais são muito importantes para o Partido Republicano.

Na política externa, eu acho que ele vai continuar uma plataforma agressiva antissocialista e anticomunista. A normalização das relações com Cuba, provavelmente, virá a um impasse. Dará ainda mais apoio às oposições na Venezuela, Brasil, Bolívia etc (após o golpe de Estado no Brasil, neste ano, a oposição do Brasil a que Joe se refere se tornou situação, compondo o governo Temer, não reconhecido pelo povo). Trump em nossa opinião representa um fascista. A não ser que estas tendências sejam interrompidas, não está claro o que vai acontecer.

Joe, ao longo de sua vida como um militante de esquerda, você assistiu a evolução política e da luta dos movimentos sociais durante a Guerra Fria. Quais são as mudanças na política externa dos EUA após o fim da Guerra Fria?

O imperialismo americano continuou a buscar a hegemonia em todo o mundo. Após a Guerra Fria, é claro, a questão que ocupou seu lugar foi a do terrorismo. Por trás dela, ou pelo menos em parte, estava o acesso às reservas de petróleo do Oriente Médio. No teatro europeu a Otan foi mantida e com ela uma política agressiva em curso em relação à Rússia, apesar da derrota da União Soviética (URSS).

É difícil falar sobre a política externa dos EUA, já que os republicanos e democratas têm estado na Casa Branca durante todo este período. Obama em certos aspectos, resiste aos apelos para uma intervenção militar, com exceção da Líbia etc. Mas a política neoliberal global tem sido praticamente a mesma: o pacto de comércio transpacífico (TPP – Transpacific Trade Pact) é um exemplo disso, com o chamado "pivô para a Ásia”. Grande parte do TPP é dirigido contra a China.

Qual é a avaliação do CPUSA sobre a relação de poder entre os Estados Unidos e a União Europeia? Em sua opinião, quais mudanças podem ocorrer nesta relação se Trump for eleito?

Eu acho que as classes dominantes nos EUA e na União Europeia estão, em grande parte, na mesma situação. A votação da saída do Reino Unido, o Brexit, é claro, abalou as coisas. Na opinião de alguns, o neoliberalismo atingiu o limite na política. Se esse for o caso, economicamente é outra questão. Nos EUA, o apoio da classe trabalhadora tanto para Sanders quanto para Trump refletiu o descontentamento com o estado da economia: salários estagnados, desemprego etc.

O desafio para a esquerda e o movimento operário é lutar por nossos interesses nessa situação. Duvido que Trump, se eleito, vai desafiar o status quo na Europa. Ele atacou a Otan e questionou sua utilidade. Por esta razão, muitos dos republicanos e o establishment da política externa dos EUA o vêem como impróprios para servir como presidente.

Bernie Sanders era um pré-candidato presidencial com uma boa chance de representar o Partido Democrata nesta eleição. Ele apresentou-se como socialista e tinha considerado ideias progressistas. Defendia, por exemplo, o serviço público de saúde, o ensino superior gratuito, a mudança na política externa dos Estados Unidos… Qual foi a posição do CPUSA sobre o pré-candidato Sanders?

A campanha de Sanders e a "revolução política" que ele defendeu é extremamente importante. Ele mostrou o conceito de socialismo para o grande público EUA pela primeira vez em muitas décadas. A campanha de Sanders também demonstrou que o caminho eleitoral para a mudança é uma estratégia viável: isso também é muito importante. Devido a isso, em muitos aspectos os EUA nunca serão o mesmo. Nossos membros foram ativos em sua campanha a nível local – alguns também apoiaram Hillary, mas a maioria estava com Sanders. Nós não concordamos com Sanders em tudo e havia alguns problemas com sua campanha. Por exemplo, temos um conceito do socialismo diferente do que ele tem; e nós sentimos que sua campanha não apreciou o significado da questão nacional dos EUA, em outras palavras, o racismo e seus efeitos. Sanders, claro, fez ajustes ao longo da a campanha. No entanto, os aspectos positivos superaram os negativos. Foi histórica, maravilhosa, emocionante, com enormes implicações para o futuro.

Você vê boas perspectivas para a esquerda progressista nesse momento nos Estados Unidos? O bom desempenho de um pré-candidato como Sanders nas prévias deu-lhe novas expectativas sobre a evolução da luta de classes nos Estados Unidos?

Há uma grande quantidade de evidências de que a política dos EUA está passando por um realinhamento. Isso vem ocorrendo há muitos anos: A eleição de Obama, em 2008, foi uma indicação disso: em seguida veio o movimento Ocupe Wall Street. O Black Lives Matter (A Vida dos Negros importa) e a campanha de Sanders são exemplos mais recentes.

Obama inicialmente representou um impulso independente fora dos círculos tradicionais do Partido Democrata. Foi um processo de centro-esquerda, em grande parte organizado on-line que, desde então, desembocou no Partido Democrata, mas suas origens são importantes. A unidade é um imperativo, mas o desafio é a força da esquerda nos EUA, que é substancial mas em grande parte desorganizada e dispersa.

O movimento marxista e o Partido Comunista, em particular, não são grandes o suficiente para responder ao desafio. Também não é a ampla esquerda. Nossa tarefa principal é no decorrer das lutas em curso, construir a nossa associação e influência. Esse é um lado da questão. O outro é respeitar e trabalhar com a independência e diversidade de outros setores de esquerda. Nossos interesses não podem ser egoístas.

Como ressoou nos movimentos sociais dos Estados Unidos o golpe no Brasil?

Estamos muito preocupados com o golpe: os movimentos sociais consideram que é um grande retrocesso para a democracia: Ele foi condenado por muitos nos EUA, incluindo a principal central sindical dos EUA, a AFL-CIO. Eles expressaram a sua solidariedade para com os brasileiros de muitas maneiras.

Qual é o papel real da Otan no atual cenário político mundial?

A Otan é um produto da Guerra Fria. Como uma aliança política e militar seu objetivo é cercar a Rússia, que é vista como a ameaça principal e concorrente. Olhe o que está acontecendo na Ucrânia, por exemplo.

Essas políticas se tornaram obsoletas. Considere os gastos militares em curso e a construção de novos tipos de armas nucleares: com que finalidade? Estes gastos continuam a colocar enorme pressão sobre os orçamentos nacionais e contribuem para a crise do neoliberalismo. Esses recursos podem e devem ser utilizados no mercado interno.

A partir de sua experiência na luta política e social, você considera que há um aumento da extrema direita nos Estados Unidos, Europa e América Latina? Há evidências sobre isso? Quais seriam essas evidências?

Eu não sou um especialista em América Latina e Europa. Quanto aos EUA, eu diria que o país está profundamente dividido. Eu realmente acho que a eleição de Obama em 2008, em meio à crise financeira, representou um recuo para a direita. No entanto, foi um recuo inconsistente ou incompleto e que se recuperou rapidamente. Mas quando você olha para onde as pessoas estão, em termos de opinião da maioria, existem fortes correntes democráticas. Ao mesmo tempo, a direita é muito forte e controla o Congresso dos Estados Unidos e a maioria dos governadores e assembleias legislativas estaduais.

O problema, como já dissemos, é que nos últimos 20 ou 30 anos o capitalismo tem sido incapaz de melhor a vida das pessoas. Nossas vidas ficaram piores: a desigualdade tem aumentado devido à desregulamentação, privatização, pactos comerciais "livres", e as medidas de austeridade. A direita tem capitalizado esses temas. Então, eu não sei se a direita é mais forte, mas eles tornaram-se mais agressivos e usam até mesmo meios ilegítimos de chegar ao poder, como o golpe legislativo no Brasil. E é isso que os torna tão perigosos. Nos EUA, Trump já questionou se as eleições serão legítimas. E se não, o que então? A questão em si é uma grande provocação.

O que você pensa sobre a luta anti-imperialista na América Latina e a ascensão de governos como o de Hugo Chávez, Evo Morales, Lula e Dilma?

Acreditamos que cada país trata o socialismo de sua própria maneira: cada um tem seu próprio caminho e não há modelos. Por outro lado, a experiência na América Latina é extremamente importante para estudar e aprender. A este respeito, pode ser ainda mais importante para nós do que o processo revolucionário na Rússia ou na China, por exemplo.

Por quê? Porque os países da América Latina são mais desenvolvidos, têm classes trabalhadoras maiores e sociedades civis mais diversas do que tinham a Rússia ou a China, que ainda tinham grandes resquícios do feudalismo. Temos mais em comum com a América Latina, mesmo quando existem diferentes estágios de desenvolvimento no trabalho.

O socialismo foi implementado em países onde se tinha a menor chance de sucesso. Essa é uma das grandes ironias da história: a de que ele entrou para a história pela porta dos fundos das civilizações. Essa porta foi fechada. Agora, temos de encontrar um novo caminho democrático e não violento para uma nova sociedade.

Os partidos da região apontam para esse novo caminho: a importância da coligação; a unidade da centro-esquerda; como lutar para o papel de liderança da classe operária: o papel da questão nacional, as mulheres, o papel dos movimentos sociais. É um desenvolvimento muito complexo e emocionante.

Para os partidos comunistas o desafio é encontrar formas específicas de cooperação, respeitando a autonomia e a construção da unidade. A este respeito, as experiências negativas de esforços anteriores não foram superadas. No entanto, a internet e as mídias sociais oferecem novas oportunidades que não estamos aproveitando. O ponto é ir além.

Qual é a sua mensagem para os comunistas no Brasil, especialmente para a juventude brasileira?

Você é uma inspiração. Mantenha o bom combate. Temos certeza que você vai ganhar e sua vitória é nossa.