Arruda Bastos: A topada e o tropeço da democracia

“Lewandowski não é o primeiro ilustre jurista a confirmar o golpe parlamentar contra a ex-presidente eleita democraticamente. Agora eu pergunto: e vai ficar por isso mesmo?”

Por *Arruda Bastos

Ministro Ricardo Lewandowski durante sessão do processo do mensalão
Foto: Nelson Jr./SCO/STF / Divulgação

Nesta semana, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, classificou o episódio do impeachment da presidente Dilma como "um tropeço na democracia". O comentário foi feito durante uma de suas aulas para os alunos do curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Lamentou, na oportunidade, o golpe implantado e também incentivou os jovens alunos a mudarem os rumos da história política do Brasil.

Durante sua aula, Lewandowski criticou também as iniciativas recentes do governo Michel Temer, principalmente a reforma do ensino médio. Para ele, uma proposta antidemocrática por não envolver uma consulta prévia a nossa população. Textualmente argumentou: "Grandes temas como o estatuto do desarmamento tiveram um plebiscito para consultar a população. Agora a reforma do ensino médio é proposta por medida provisória?”.

O Ministro chamou de “iluminados” os que se fecharam dentro de gabinetes para deletar as disciplinas de educação física, artes, filosofia e sociologia das grades curriculares. Ele afirmou ainda que "o Estado Democrático de Direito é aquele que amplia direitos e complementa a democracia representativa mediante a participação popular". Concordamos plenamente, só um governo de exclusão para propor essas medidas sem um amplo debate popular.

Lewandowski não é o primeiro ilustre jurista a confirmar o golpe parlamentar contra a ex-presidente eleita democraticamente. Agora eu pergunto: e vai ficar por isso mesmo? A democracia leva uma “topada” e “tropeça”, sai do prumo, cai por terra, é jogada na lata do lixo e nós vamos ficar como paisagem, só olhando a banda passar? O Supremo também?

O grande escritor Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema “No Meio do Caminho”, publicado em 1928 na Revista de Antropofagia. As pedras mencionadas nesta poesia podem ser classificadas como obstáculos ou problemas que as pessoas encontram na vida, descrita neste caso como um "caminho". Essas pedras podem impedir a pessoa de seguir o seu caminho, ou seja, os problemas podem impedir de avançar na vida.

“No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.”

No Brasil atual as pedras são os grandes capitalistas sem compromisso com o povo: a mídia golpista capitaneada pela Rede Globo e pela Veja; os políticos e partidos reacionários; os grandes corruptos que se abrigam nos braços de Temer e de seus apoiadores e parte do judiciário acovardado a tudo que está acontecendo.

Medidas como a reforma da previdência e a redução de direitos trabalhistas para beneficiar o grande empresariado, anistia do “caixa dois” e paralisação das investigações da Operação Lava Jato são os sonhos de consumo de todas essas “pedras”.

Não tenho dúvida, se depender dos poderosos, desse mato não vai sair cachorro. Só com a união do nosso povo, dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos e políticos comprometidos com a democracia, poderemos enfrentar os golpistas e seus golpes contra o Brasil e os brasileiros. Fora Temer!


*Arruda Bastos é médico, professor universitário, escritor, radialista, ex-Secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos coordenadores do Movimento "Médicos pela Democracia".

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