Grupo Comuna, um dos pilares da luta anti-neoliberal na Bolívia

Durante os anos 2000 a Bolívia passou por uma série de mudanças políticas de grande impacto, entre elas a chegada do líder camponês Evo Morales à presidência da República.

Por Haroldo Ceravolo Sereza e Vanessa Martina Silva

Álvaro García Linera - Ministério da Comunicação da Bolívia

Esse processo deve-se, em boa medida, a um consenso que se opôs às teorias neoliberais, que dominaram o debate econômico e político boliviano a partir dos anos 1980 – em especial, a partir de 1985, com a volta, pela via eleitoral, de Victor Paz Estensoro ao comando do país.

A desconstrução do discurso neoliberal foi resultado, em boa medida, da atuação conjunta de um grupo de intelectuais, dos quais o mais conhecido no Brasil é o atual vice-presidente do país, Alvaro García Linera. O grupo, chamado Comuna, aproximou a intelectualidade do movimento social e ajudou a construir conceitos como o de Estado plurinacional, um dos pilares da atual Constituição boliviana.

Mesmo com toda a construção em torno de uma teoria anti-neoliberal, autonomista e anticolonialista, o grupo é praticamente desconhecido no Brasil. Para o sociólogo, professor de sociologia do Instituto Federal do Ceará e doutorando em Ciência Política na USP, Rodrigo Santaella Gonçalves, autor do livro Intelectuais em Movimento – O grupo Comuna e a e construção da hegemonia antineoliberal na Bolívia (Alameda), isso se dá porque a Bolívia ainda é “um país muito marginalizado intelectualmente ainda que tenha vivido um processo tão interessante”.

Apesar do desconhecimento no Brasil, na Bolívia existem cátedras em universidades que estudam o pensamento do grupo Comuna e na Argentina, o pensamento de Alvaro García Linera é debatido em grupos de estudo. Mesmo assim, o pensamento social latino-americano ainda não descobriu essa expressão.

Grupo Comuna

O Comuna surgiu no final dos anos 1990 em meio à crise do neoliberalismo no país. A partir dos anos 2000, diversas mobilizações transformaram a nação andina, como a Guerra da Água (2000) e a Guerra do Gás (2003). Neste cenário, o grupo produziu suas elaborações teóricas e inseriu-se no debate público a partir de três eixos teóricos interconectados:

– um debate acerca do papel dos intelectuais na disputa de hegemonias na sociedade;

– a percepção do potencial das crises sociais para a produção de conhecimento em sociedades abigarradas como a boliviana;

– e, por fim, as condições para o desenvolvimento do marxismo em um contexto nacional específico, através da nacionalização do marxismo.

“O que eles conseguiram produzir de consenso entre eles sobre a sociedade boliviana foi uma crítica muito forte ao neoliberalismo com um caráter democrático nacionalista e sobretudo anticolonial, anti-neoliberal”, observa Gonçalves.

Ele ressalta que o governo de Evo Morales nunca representou o pensamento do Comuna como um todo e que, apesar de García Linera estar no governo em um papel de destaque, hoje a maior parte dos ex-integrantes do movimento são críticos à gestão por considerar que ela não respeita a autonomia dos movimentos sociais, principalmente dos indígenas.