Juliana Diniz: Sobre assembleia dos estudantes da Faculdade de Direito

“Nós somos os restos da luta dos que morreram, derrotados, em silêncio, na escuridão do cárcere, as unhas arrancadas, o rosto irreconhecível. Estamos aqui porque eles, os derrotados, desapareceram, seus corpos ainda ausentes. Mas lutaram, fizeram bobagens, rompantes de juventude, mas lutaram. Lutemos. Com mais lucidez, com outras armas, com serenidade, mas lutemos”.

Por *Juliana Diniz

Faculdade de Direito da UFC

Um texto grande, com destinatários específicos.

Acordei agora há pouco e soube, lendo posts no Facebook, que aconteceu na Faculdade de Direito, na última quarta-feira (09), uma assembleia para deliberar sobre a greve estudantil, e que nessa assembleia o “não à greve” prevaleceu com ampla margem, depois de uma discussão em que os alunos ligados ao movimento estudantil foram rotulados de “vagabundos” e outras coisas mais.

Estão desolados. Sentem-se impotentes e tristes, não pela divergência, mas pela incapacidade do diálogo, pela insensibilidade social, pelo elitismo de alguns colegas, que, no calor das discussões, os insultaram. Foi duro perceber que, ainda que juntos, parecemos caminhar mesmo sós como um imenso caleidoscópio de opiniões.

Pois escrevo para vocês, derrotados. Os outros não precisam se dar o trabalho de ler. Sabemos de antemão que não nos entenderemos e que este diálogo não pode dar frutos. Escrevo para os outros, os esmorecidos e tristes, os vagabundos. Para os que se sentem como o Renan e o Diego. Tenho a dizer para vocês que há lutas que não podem ser vencidas. Entendam que não é o “NÃO” à greve que os derrota. Na democracia, existirão os nãos e os sims. Aceitemos, demos o exemplo.

O que os derrota é o adjetivo, é a surdez, é a violência simbólica que subjaz à linguagem que alguns, tão habilmente, parecem usar. É ingênuo e prepotente achar que um só corpo, por mais que tomado de valente paixão revolucionária, possa mais que fazer um pouco de barulho.

Preciso que vocês entendam que a luta de vocês, como foi a luta dos movimentos estudantis anteriores, é uma luta vã. Que estamos derrotados desde o começo. Vocês precisam compreender, olhar além, reconhecer a derrota. É preciso entender isso para levantar no dia seguinte. É preciso entender isso, sobretudo, para que vocês continuem lutando, porque vocês são necessários, derrotados, melancólicos e tristes, mas necessários. Preciso que vocês esqueçam as próprias dores. Que sacudam os sentimentos nodosos de impotência e se orgulhem do seu esforço, vejam-se no espelho e sintam a beleza de estar em meio a derrotados entre os vencedores que temos. Orgulhem-se de estar, em meio aos vencedores, levantando a bandeira dos valores que, de tão antigos, insistem em brilhar – ainda que pouco, mas com persistência.

Vocês querem que nos olhemos como iguais, que as portas da casa continuem abertas aos que querem chegar, vocês querem ter a casa, e que a casa seja boa, bonita e colorida. É possível que percamos, que a casa seja vendida a preço vil, que não haja amanhã o direito que hoje lhes investe de voz. É possível que, amanhã, estejamos, eu e vocês, ainda mais nus, mais sozinhos e desamparados, vendo nossa casa aos pedaços, sem luz, habitada pelos corvos que, de tão pequenos, estarão sempre aqui, pois precisam de pouco. Mesmo diante da nossa casa destruída, seguimos lutando. Um dia depois do outro, e ainda lutando. Os olhos tristes, o corpo aviltado, a casa em pedaços, e lutando. Porque é a luta que nos dignifica, porque entre os escombros, sempre haverá restos que persistem, e que brilham, e que continuam a lutar, como vocês.

Nós somos os restos da luta dos que morreram, derrotados, em silêncio, na escuridão do cárcere, as unhas arrancadas, o rosto irreconhecível. Estamos aqui porque eles, os derrotados, desapareceram, seus corpos ainda ausentes. Mas lutaram, fizeram bobagens, rompantes de juventude, mas lutaram. Lutemos. Com mais lucidez, com outras armas, com serenidade, mas lutemos.

Termino com a frase de um jurista engravatado, que talvez nos sirva para beber nossa derrota sublime: “é o sonho que mostra o caminho” (Goffredo da Silva Telles Jr.).

Estamos juntos, sigamos no sonho.

*Juliana Diniz é professora da Faculdade de Direito da UFC, doutora em Direito do Estado pela USP.

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