Arruda Bastos – PEC da Morte: O start foi dado, a juventude acordou

“Estamos em um processo de retomada de consciência e só a participação, a convivência com o contraditório e a informação vão trazer novamente o senso crítico ao estudante. Só mesmo o jovem com seu vasto horizonte a descortinar para trazer a todos nós a esperança de que uma resistência ao status quo que vivemos está se consolidando”.

Por *Arruda Bastos

Arruda Bastos

Na última semana, dentre inúmeras mensagens que recebi, uma me tocou e foi a fonte de inspiração que me levou a escrever esta crônica. O estudante do curso de odontologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tarciso Sindeaux Neto, presidente do Centro Acadêmico (CA), convidava-me para falar sobre a PEC do Teto durante a assembleia estudantil convocada para discutir e decidir sobre uma possível greve.

Como de praxe, cheguei adiantado e pude, então, presenciar os passos iniciais da assembleia. Fiquei sentado no auditório, incógnito, só a espreitar as falas dos estudantes e a observar seus argumentos, prós e contra, e as propostas que votariam. Com o passar do tempo, passei a recordar os áureos anos da década de setenta, quando, naquele mesmo Campus de Porangabuçu, eu e muitos outros destemidos estudantes lutávamos contra a ditadura militar de 1964. Fiquei revigorado ao sentir que o pujante debate que ali se iniciava tinha similitude com os que vivenciei durante minha vida universitária.

Com minha experiência, logo depreendi que o debate seria acirrado e seu desfecho imprevisível. Os aplausos se multiplicavam após cada fala e, como já vai longe o tempo que assistia o Show de Calouros do programa do Silvio Santos, quando a intensidade das palmas decidia tudo, digo que tive dificuldade para interpretar. A sensação era de divisão, mesmo que alguns jovens fizessem um esforço danado para ampliar o som de suas mãos.

Fiz questão de fazer essa introdução antes de entrar no cerne da questão da minha participação na assembleia. Julgo que a emoção do momento ultrapassa a lógica racional desta narrativa. O clima de interesse dos estudantes aumentava a cada minuto. Observei que ninguém saía, só entravam alunos, mesmo já se aproximando a hora do início das aulas vespertinas. O auditório ficou superlotado.

O primeiro a falar foi o graduado professor do departamento de Teoria Econômica da UFC, Aécio Alves de Oliveira. Ele discorreu sobre os aspectos técnicos e econômicos da PEC além de, aqui e acolá, falar do seu tempo de universidade e do combate à ditadura. Lembrou até do “cocktail molotov” que fazia parte do nosso arsenal do dia a dia nos protestos nos anos sombrios da repressão militar.

Com o passar do tempo, senti que a minha responsabilidade aumentava, não só por falar ao final, mas e principalmente porque transpirava na assembleia um clima místico, só encontrado em importantes reuniões. Chegou, então, a minha vez, mas como falar de forma imparcial, como não deixar minhas convicções ideológicas balizarem o meu pronunciamento? Eu não poderia decepcionar. Respirei fundo, não me deixei levar pelo coração e, com argumentos da razão, desmistifiquei a malfigerada PEC. Falar dos seus efeitos deletérios era muito fácil, não necessitei usar de subterfúgios pois, como gestor e ex-Secretário da Saúde do estado do Ceará, senti na pele as agruras do subfinanciamento da saúde. Impossível, então, defender tetos e congelamento de recursos.

Citar nomes nem sempre é de bom alvitre, pois frequentemente esquecemos alguém, mas, pedindo desculpas antecipadamente, quero fazer referência aos estudantes Edgar Lassance, Paulo Demóstenes, Amanda Maria e Juliana Mara que, com suas brilhantes manifestações, cada qual defendendo o seu ponto de vista, fizeram-me recordar a frase atribuída a Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-las”. O espírito da assembleia era esse.

A PEC 55 (241), se aprovada, representará a falência da saúde pública do nosso país, o retrocesso da educação e a redução drástica dos programas sociais. Ela é o medicamento errado para os males de que o nosso Brasil padece. É um tratamento baseado em uma anamnese viciada por interesses inconfessáveis de um governo rentista e devedor do grande capital. Disponibilizo no endereço eletrônico www.portalarrudabastos.com.br vários artigos de minha autoria tratando sobre o tema.

Não sei qual foi o desenlace da assembleia, mas tenho certeza de que uma coisa é certa: independente do seu desfecho, todos saíram vitoriosos. Estamos em um processo de retomada de consciência e só a participação, a convivência com o contraditório e a informação vão trazer novamente o senso crítico ao estudante. Só mesmo o jovem com seu vasto horizonte a descortinar para trazer a todos nós a esperança de que uma resistência ao status quo que vivemos está se consolidando.

Em tempo, recebi os números da assembleia: contra a PEC: 89,24%; a favor: 9,96%; abstenções: 0,79%. No que se refere à decretação da greve, o resultado foi: contra: 60,95%; a favor: 38,24% e abstenções: 0,79%. A análise é simples, os estudantes, como eu, entendem majoritariamente que a PEC é da morte e a greve só será possível com mais mobilização. Os números não mentem jamais; existe uma luz no fim do túnel; a juventude acordou; o start foi dado; a luta recomeçou.

*Arruda Bastos é médico, professor universitário, ex-secretário da saúde do Estado do Ceará, escritor, radialista, um dos coordenadores do Movimento Médicos pela Democracia e a criança de 64 e um Médico pela Democracia.

Opiniões aqui expressas não refletem necessariamente as opiniões do site.