Arruda Bastos: A PEC da morte virou lei, e agora?

"Agora, de forma efetiva e dentro da nossa governabilidade, só temos uma saída: mobilizar e atuar nas frentes de resistência. O orçamento da saúde não pode seguir as normas definidas na PEC. A única maneira para que isso ocorra é a pressão no governo e nos parlamentares, visando intercambiar recursos de outras áreas para a saúde.

Por *Arruda Bastos

corte de gastos

Infelizmente, mesmo contra todos os estudos que demonstravam o seu poder deletério para a saúde, educação e programas sociais, apesar da mobilização de muitos segmentos e das pesquisas de opinião demonstrando que a grande maioria da nossa população era contrária a sua aprovação, o Senado, fazendo “ouvido de mercador”, aprovou em segundo turno e promulgou a PEC da Morte.

“Fazer ouvido de mercador” significa não dar importância ao que escutou, fingir-se de morto diante da situação, não considerar o que insistentemente foi dito. Essa forma de agir foi uma constante no governo e na sua base, mesmo sendo verdade que o apoio à PEC no segundo turno no Senado foi menor, o que significou um pequeno alento.

Durante todo o ano, escrevi diversos artigos tratando do tema, dentre eles Teto de gastos para saúde é um crime; PEC 241, o banquete e o burro quando foge; A aprovação da PEC 241 é um crime hediondo; PEC da morte: o start foi dado, a juventude acordou e PEC 241: perdemos na Câmara e ganhamos nas ruas. Todos os textos com dados justificando tecnicamente a necessidade de não aprovar essa PEC encaminhada pelo governo do ilegítimo Temer.

Hoje, “Inês é morta” e lamentavelmente, de forma inexorável, a PEC agora é lei. Com o fato consumado, resolvi, então, escrever este novo artigo e, de maneira didática, responder à pergunta de muitos dos meus leitores: e agora? A resposta não é fácil, mas, da mesma forma que abordei anteriormente, vou tentar ajudar no entendimento do que deve ser feito daqui para frente.

Para enfrentar os efeitos danosos na saúde, provocado pela nova lei dos tetos, e tentar manter a atenção à saúde no nível sofrível que está, só mesmo apelando para o impossível. Primeiro, vamos fazer o tempo parar e a população não envelhecer, só assim evitaríamos a necessidade crescente de recursos para o atendimento aos idosos e suas doenças crônicas como o câncer, AVC, infarto, diabetes e hipertensão, entre inúmeras outras. Estamos em uma transição epidemiológica e o país envelhece rapidamente.

Outra medida seria a de não acrescermos novos filhos de Deus a nossa população, ou seja, colocar as cegonhas bem distantes dos lares brasileiros. Não nasceria uma viva alma nos próximos vinte anos, só assim a necessidade de ampliar recursos para atender o crescimento da população deixaria de existir. Como no caso do envelhecimento, isso também é impossível. Abordei esses dois aspectos de forma jocosa para reforçar que os argumentos contra têm fundamento e não foram levados em consideração pelos nossos insensíveis governantes.

Agora, de forma efetiva e dentro da nossa governabilidade, só temos uma saída: mobilizar e atuar nas frentes de resistência. O orçamento da saúde não pode seguir as normas definidas na PEC. A única maneira para que isso ocorra é a pressão no governo e nos parlamentares, visando intercambiar recursos de outras áreas para a saúde. Não tem outra forma de enfrentarmos o subfinanciamento iminente do SUS com as novas regras impostas.

Vai ser difícil com esse Congresso que aí está, mas como eu sou um sessentão com espírito otimista, digo que, mesmo assim, temos que tentar. Vamos enfrentar os parlamentares do “BBBR”, já com lobby estabelecido e poderoso no Congresso. As frentes parlamentares da “Bala, Bola, Bíblia e Ruralista” são extremamente poderosas e sempre bem financiadas. Temos que enfrentá-los de peito aberto à cata de mais recursos para a saúde. O cobertor vai ser curto.

A bancada da saúde nunca foi uma Brastemp e, na atualidade, muito menos. Ela está desarticulada, fragilizada e muito dividida. Grande parte dos seus integrantes, ressalvando honrosas exceções, só defende interesses políticos paroquianos, seguem o governo na esteira do clientelismo barato, esquecendo da saúde e de quem os elegeu, o que é uma vergonha.

Conclamo os segmentos defensores da saúde pública para uma grande cruzada de mobilização. Inicialmente na defesa de mais recursos do orçamento para o SUS e, concomitantemente, iniciando uma ampla discussão visando à renovação dos nossos representantes no parlamento. O foco principal deve ser o de expurgar aqueles que, de forma vergonhosa, traíram o povo, trabalharam e votaram a favor da PEC da Morte.

Nunca foi tão atual a frase de Emiliano Zapata: "Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo". Esse governo é ilegítimo e merece todo o nosso repúdio e a nossa indignação. A luta continua!


*Arruda Bastos é médico, professor universitário, escritor, radialista, ex-Secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos Coordenadores do Movimento Médicos pela Democracia.

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