Paulo H. Amorim – Aí, seu Zezé: na zona, hein?

O livro "Manual inútil da televisão e outros bichos curiosos" reúne as mais diversas histórias que o jornalista Paulo Henrique Amorim construiu durante sua carreira como repórter televisivo junto a todo o tipo de figuras midiáticas. É o mais novo livro dele, de crônicas, lançado pela editora Hedra.

Paulo Henrique Amorim

Uma delas envolve o jogador de futebol Garrincha e o técnico da equipe do Botafogo, Zezé Moreyra, e se passa em Madri. Paulo Henrique Amorim conta assim:

Aí, seu Zezé: na zona, hein?

Eu abri o escritório da Veja em Nova York, em 1968.
Ficava na rua 42 com a Quinta Avenida, de lado
para a biblioteca pública.
Mas, a vizinhança era um pardieiro: prostitutas,
tráfico de drogas, bêbados caídos na calçada. Quanto
mais você se aproximava do Times Square, pior.
O Victor Civita, fundador da Abril, viu que o prédio
tinha uma pequena entrada pela rua 43, que dava
para os elevadores dos fundos.
Mandou mudar a sede social para a rua 43.
A rua 42 sumiu da correspondência, do cartão de
visitas.
Numa manhã recebo a visita do Otto Lara Resende
e do Armando Nogueira.
Estavam famintos, e fomos a uma lanchonete tipo
McDonald’s. Otto pediu um cheeseburger e veio o
acompanhamento de sempre: fritas, repolho, cebola
frita, ketchup, mostarda.
E um vaso gigante de Coca-Cola.
“Engraçado, aqui você pede um mísero sanduíche
e eles trazem a Sinfônica de Boston”, disse o Otto.

Eu tive uma discussão com o Armando. Ele era
Botafogo e eu, Fluminense. E, na coluna no Jornal
do Brasil, “Na Grande Área”, ele esculhambava um
lateral esquerdo do Fluminense, o Altair.
O Altair dava muito carrinho, e o Armando o desqualificava:
“Ele não joga futebol, só joga deitado!”.
Apertei, apertei, e ele admitiu que era por causa
da concorrência com o Nilton Santos, do Botafogo e
da seleção.

Puro clubismo… Como se alguém pudesse ser
comparado ao Nilton Santos, a Enciclopédia!
Depois, fui trabalhar no Jornal do Brasil, o Armando
já estava na Globo, e eu, quando havia um
acontecimento importante no futebol, pedia para ele
escrever alguma crítica, como se ainda existisse a “Na
Grande Área”.

Um parêntese. Sem o Armando, dei a Sandro Moreyra,
outro botafoguense, a responsabilidade de escrever
a crônica diária de futebol no jb. Sandro também
era ótimo. Mas, mentia muito. Ele mesmo confessava
que as melhores histórias do livro Drama e
glória dos bicampeões, de Armando e Araújo Netto,
sobre a Copa de 1962 no Chile, ele que teria inventado
e contado aos autores.

Duas histórias de Sandro sobre Garrincha:

Antes de querer saber da seleção brasileira, os
portugueses perguntaram por Pelé. Para eles, Pelé é
ser sobrenatural, um craque que nunca existiu igual.
Chamaram-no de Rei e só querem saber se o Rei vem
a Portugal. Percebendo essa situação, Garrincha concluiu
que: “O único crioulo neste país que levou vantagem
com a Lei Áurea foi Pelé. Os outros continuam
na mesma”.

Mal chegara a Madri, uma das etapas de uma excursão
do Botafogo, Garrincha sumiu, e o austero
treinador Zezé Moreira, conhecendo seu jogador, foi
às casas de “tolerância” da cidade procurá-lo. De táxi,
percorria as barulhentas ruas cheias de mulheres se
oferecendo. Avistando Garrincha, mandou parar. Já
ia descendo quando Mané, que também o vira, gritou
alegremente: “Aí, hein, seu Zezé. O senhor também
aqui na zona!”. Vermelhíssimo, Zezé sumiu no
mesmo táxi.

Armando jamais escreveu uma nova crônica para
o jb, mas lembrava de alguma antiga que se relacionasse
com o assunto do momento.
E eu a republicava.
Tínhamos uma relação cordial.


Serviço:

"Manual inútil da televisão e outros bichos curiosos"
Lançamento em São Paulo
Terça-feira, dia 22.11 – 19 horas
Livraria Saraiva do Shopping Higienópolis