Carlos Mazza: Anistia, órfã de pais e de propósito

“Nas redes, vejo um dos mais ativos articuladores de manifestações pelo impeachment em Fortaleza se limitar a um abaixo-assinado virtual sobre o tema. Quem sabe tenha chegado o momento de admitir que talvez a rejeição que lotou as ruas foi a outra coisa”.

Por *Carlos Mazza

Corrupção e política

Incluída aos 45 do segundo tempo no pacote anticorrupção do Ministério Público Federal, emenda que prevê anistia ao crime de caixa 2 deve enfim ser votada nesta terça-feira, 29, com grandes chances de aprovação. Isenta de sentido, explicação lógica ou qualquer lado positivo, a excrescência é daquelas coisas que só poderiam acontecer em hora, local e contexto bem específicos.

E o contexto atual, caro leitor, faz valer como nunca a máxima Tom Jobim de que “o Brasil não é para principiantes”. Em menos de um mês, tivemos novas indicações de delações, dois ex-governadores presos, a queda de um ministro (o 6º em seis meses) e uma proposta que tenta radicalizar o combate à corrupção na pauta de votação do Congresso. Era claro que a conta disso iria chegar.

Ao longo das investigações da Lava Jato, ficou claro que a maioria dos recursos desviados ia parar em caixas clandestinos de campanhas eleitorais – o tal caixa 2. Eleitos, esses políticos arrumavam outras formas de “complementarem” a renda. Caso aprovada a anistia nos moldes propostos, como ficará a Justiça caso todos os réus declarem que o dinheiro ia todo para o caixa de campanhas? Estaremos diante de uma bizarra figura jurídica, do réu confesso de responsabilidade zero ou limitada.

O mais irônico, no entanto, é que a medida ocorra logo após uma suposta indignação com a corrupção ajudar a derrubar uma presidente da República. E tudo acontece não de maneira velada ou restrita aos bastidores. Pelo contrário, o enredo tem se desenrolado debaixo do nariz de todos, com tímida reação diante do escárnio.

Nas redes, vejo um dos mais ativos articuladores de manifestações pelo impeachment em Fortaleza se limitar a um abaixo-assinado virtual sobre o tema. Quem sabe tenha chegado o momento de admitir que talvez a rejeição que lotou as ruas foi a outra coisa.

Afinal de contas, a quem interessa anistiar políticos que cometeram crimes? Jamais saberemos, uma vez que a emenda é órfã – nenhum deputado admite a sua autoria – e a votação deve ser secreta. Caso aprovado o despropósito, restará transparente no Congresso apenas uma coisa: seja lá qual for o interesse por trás, não é ao povo brasileiro que os deputados estão representando.


*Carlos Mazza é jornalista.

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