José Goulão: Os mistérios de Berlim

O atentado terrorista de Berlim saiu já das primeiras páginas dos jornais e das aberturas dos telejornais, deixou espaço para a tragédia de Istambul, que também já vai esmorecendo, provavelmente à espera de novo drama porque tal é muito provável no ano que o sempre fiável presidente Hollande decretou como sendo "o da vitória total na guerra contra o terrorismo".

Caminhão utilizado no ataque em Berlim - EPA

Os atentados vão passando à história enquanto o terrorismo floresce, apesar da dita "guerra contra o terrorismo" (decretada em setembro de 2001 por Bush filho, recordam-se?); e desses dramas vão ficando dezenas de milhares de vítimas em todo o mundo, toneladas de responsabilidades por apurar e também mistérios, muitos mistérios.

Mistérios como os que rodeiam o atentado de Berlim, dos quais pouco se fala porque quase toda a diligente comunicação mainstream os omite. Com excepção do diário italiano Corriere della Sera, ao interrogar-se sobre "coisas estranhas" que detectou ao tentar simplesmente ligar fatos que se foram conhecendo.

Em Berlim ficamos a saber que a polícia alemã passou a pente fino o caminhão lançado sobre a multidão frequentadora do mercado de Natal; na sequência dessa investigação foi preso um cidadão de origem paquistanesa, libertado logo um dia depois por insuficiência de provas.

Ao que parece – nestas misteriosas circunstâncias é sempre arriscado declarar certezas – um policial mais persistente terá regressado ao caminhão antes revistado a pente fino e logo descobriu, sob o assento do condutor, um cartão de identificação de um cidadão de origem tunisina e mais uma série de fotografias, em boa verdade um tesouro precioso para qualquer investigador. O qual, ao que parece, escapara à minuciosa revista inicial, apesar de dissimulado no esconderijo mais óbvio.

Vale a pena intercalar aqui um mistério recorrente em praticamente todos os atentados terroristas na Europa, incluindo os do Charlie Hebdo, de Paris e de Nice: um terrorista que se preze deixa sempre documentos de identificação no veículo que usa para cometer os atentados.

Porquê? Mistério!…

A partir da identificação encontrada no caminhão, mas já com mais de um dia de atraso, iniciou-se a caça ao suposto criminoso de Berlim, acompanhada minuto a minuto pelas informações flash da comunicação ao segundo, ao minuto, hora a hora, especulada em mil e uma sabedorias pelos mais afamados peritos, analistas e comentadores, movendo-se o homem a velocidade supersônica pois, a crer no que se viu e ouviu, terá voado um pouco por toda a Europa.

Acabou por ser descoberto, também ao que parece "por acaso", por uma patrulha rotineira na estação de Sesto San Giovanni, em Milão. Local que, por misteriosa coincidência, se situa nas imediações do ponto de partida do caminhão polonês que viria a ser atirado contra a multidão de Berlim.

O suspeito foi sumariamente abatido, tal como praticamente todos os outros acusados de cometer atentados na Europa. Cumpre-se assim a sua vocação de "mártires", tão própria da mitologia associada ao extremismo islamita que encobre o mercenarismo terrorista? Ou cumprem-se apenas as diretivas das chefias policiais e militares para as quais um bom terrorista é um terrorista morto, isto é, guardará eterno silêncio sobre possíveis inconfidências que pudesse cometer, quiçá incômodas para os seus verdadeiros mentores? Há muitas maneiras, como se sabe, de fazer respeitar a omertà, a mafiosa lei do silêncio.

Será este, aliás, o mais perturbador mistério dos mistérios do atentado de Berlim e de outros em outros lugares onde se vão sofrendo as incidências da ação do monstro de mil e uma cabeças, ou que talvez não tenha assim tantas. Mistério!…

Tão indecifrável como aquele que consiste na inequívoca expansão da atividade terrorista à medida que os senhores do mundo se proclamam cada vez mais veementes na "guerra contra o terrorismo".