Quero meu País de volta

Desmancha-se o Brasil a olhos vistos desde a posse de Michel Temer na Presidência da República. E os dramas estruturais da Nação, longe de encontrarem o enredo virtuoso prometido pelos golpistas, caminham a passos estugados rumo à tragédia.

Por Elder Vieira

A todo brasileiro progressista, preocupado com os rumos de seu País, cabe entender a natureza e o grau de profundidade da iniciativa golpista que empoderou o antigo vice de Dilma Rousseff, e contribuir para estabelecer o eixo da ação política das forças avançadas da sociedade.

Vamos a isso.

O golpe desferido contra a Constituição é, essencialmente, um golpe do Imperialismo contra o Estado Nacional e o povo brasileiro. Se, em outras partes do planeta, o grande capital lançou mão de armas e milícias terroristas, no Brasil, encontrou parceiros em parlamentares, organizações não-governamentais, juízes e promotores e, a partir dos três poderes da União, vem desmontando o Estado brasileiro, detonando o mínimo de coesão interna pactuada em 1988, desestruturando os mecanismos indutores de nosso desenvolvimento, retraindo nosso mercado e impondo uma marcha econômica, política e social regressiva, que nos devolverá ao século XIX.

Todas as medidas tomadas pelos golpistas, e seus efeitos, confirmam a essência antinacional do golpe. Os primeiros grandes alvos da sanha do grande capital estrangeiro foram o Pré-Sal e a Petrobrás, entregues de bandeja, pelo PSDB e seus aliados, às petroleiras de fora. Segue-se o apequenamento do BNDES e dos demais bancos públicos – Banco do Brasil e Caixa, que deixam de ser alavancas de desenvolvimento. O Banco Central é entregue a um homem do Itaú, instituição expoente da oligarquia financeira e um dos emblemas do rentismo que assola nossa economia, e que passa agora, sem intermediários, a determinar os rumos de nossa macroeconomia.

Outra linha importante da estratégia de desmonte é o ataque à engenharia nacional. A Lava a Jato foi o artefato elaborado para atacar um setor internacionalmente competitivo, que vinha sendo um dos esteios de nossa relativa dinamização econômica e responsável pelo aumento da proporção de conteúdo nacional dos processos de desenvolvimento em curso.

Em paralelo ao desmonte de nossa engenharia, a Lava a Jato tem servido para implodir as instituições políticas nacionais e entregar a condução do Estado a um agrupamento heterogêneo, ilegítimo, que, com suas ações predatórias, e seu entreguismo congênito, vem aumentando a instabilidade política e econômica e propiciando, numa ponta, ótimos negócios aos seus patrões de fora e trânsfugas de dentro, e, na outra, gerando altas taxas de desemprego e violência, precarização de serviços públicos essenciais, como saúde e educação, perda de poder de compra de salários, falências de empreendimentos, retração de nosso mercado, perda de competitividade internacional.

Coroa o quadro de descalabro a aprovação da “PEC dos Gastos”, que impede o Estado de investir no desenvolvimento do País por 20 anos. Ficamos amarrados, sem poder de manejo nos momentos de maior aperto, a depender ainda mais dos humores da conjuntura econômico-política externa, pautada pelos grandes oligopólios financeiros. Enquanto congelam-se investimentos, não se toca nos recursos para pagamento de juros aos especuladores daqui e de fora, razão incontornável das dificuldades orçamentárias da República.

Todo esse roteiro vulnerabiliza a Nação. De um lado, ela vai perdendo instrumentos e linhas de resistência internas. Seus trabalhadores passam a ver seus direitos sob bombardeio cerrado do patronato: expansão da jornada para além das 8 horas diárias; fim da parada para o almoço; desmonte da CLT; terceirização em toda a linha; aposentadoria às vésperas do próprio funeral; ajuste do mínimo abaixo da inflação; o negociado valendo mais que o legislado – são esses alguns dos itens do cardápio golpista ofertado aos assalariados, cujo fim é o aumento das taxas de extração de mais valia e de lucros. De outro lado, deixa de ter a retaguarda necessária para um inserção soberana no concerto internacional: assim enfraquecido, o Brasil perde a condição de protagonista no Mercosul e em outras articulações da América Latina, ao passo que tem radicalmente diminuído seu peso nos BRICS – o que, por extensão, fragiliza substancialmente o bloco e alegra o capital norte-americano.

Como chegamos a isso, todos sabemos: crise global do capitalismo, aliada a uma campanha de cerco e aniquilamento promovido por meios de comunicação e agentes de Estado contra o Governo eleito, mais erros de condução política e econômica cometidos pela principal força da coalisão governista levaram a uma brutal mudança da correlação de forças na sociedade e nos parlamentos. O centro político desgarra-se da ala popular. As classes dominantes tornam-se um só bloco. A classe média é polarizada por um discurso retrógrado e moralista e sai às ruas. Certa “esquerda” embala-se num suposto movimento espontâneo das massas, e faz coro com as ruas e as ONGs financiadas pelo Império.

Hoje, os trabalhadores e os setores socialmente vulneráveis não são tocados pelo chamado em defesa do Estado de Direito. Há, em diferentes setores de nossa sociedade, uma anestesia. Em outros, um “lavo as mãos”. Corações e mentes, ou foram ganhos pelo discurso “anti-políticos” em voga, ou foram neutralizados, afastados do jogo. As últimas eleições municipais o demonstram: ganharam os setores políticos mais atrasados, os neoliberais e a abstenção.

Amplo espectro do setor produtivo – sem um Estado Nacional que o apoie, galvanize e mobilize; endividado (o endividamento do setor privado beirou, em 2015, a 80% do PIB); sem acúmulo de capital suficiente; a debater-se contra a elevação de custos de produção e a redução de valores de seus ativos –, vê-se, em função de supostos ganhos imediatos, a braços dados com seus algozes, resignado a ser sócio minoritário na partição da riqueza nacional e mundial. Avalizou o golpe, e agora assiste ao Governo da República editar o Decreto 8.957, que autoriza financiamento com dinheiro público de empreendimentos estrangeiros em um número maior de setores de nossa economia, e a Petrobrás abrir licitação para construção de usina de gás natural somente para empresas de fora do País.

No Congresso Nacional, essa correlação de forças amplamente desfavorável aos beneficiários de um Estado Nacional soberano traduz-se num largo leque partidário que vem aprovando normas antinacionais, antipopulares e antidemocráticas. Isoladas e dispersas, as forças defensoras de um projeto nacional e democrático experimentam derrotas sobre derrotas, e buscam sobreviver numa lógica politicamente casuística e juridicamente insegura, posto que as regras constitucionais pouco ou nada valem. A arena ainda fica mais adversa na medida em que Judiciário e Executivo se alinham com essa maioria legislativa antipatriótica.

Como enfrentar esse quadro? Qual deve ser o eixo da ação política das forças progressistas? Qual a consigna capaz de unir forças e ganhar amplos setores da sociedade brasileira?

É inevitável que essa política antinacional, antipopular e antidemocrática gere sua contraparte. Não há como trabalhadores, empresários nacionais, amplas parcelas da juventude, das mulheres, da academia silenciarem por muito tempo ante os descalabros capitaneados por um governo ilegítimo a mando dos interesses estrangeiros.

Em 2015, algo em torno de 1,5 milhões trabalhadores perderam seus empregos. O ano de2016 chegou a algo próximo dessa marca. Em 2017, os setores que ainda empregam o fazem a base de salários até 22% mais baixos do que no ano anterior. Pelos logradouros das metrópoles, volta a se multiplicar vertiginosamente a população de rua. Empresários, dentre eles, apoiadores explícitos do golpe, já reclamam: não foi para manterem-se nas cordas que tiraram Dilma, dizem alguns de seus líderes. Estudantes ocupam escolas e espaços públicos, dentre eles, as ruas, contra reformas regressivas no ensino médio e cortes nas verbas para a educação. Pós-graduandos e cientistas se movimentam contra o desmonte do sistema de ciência e tecnologia. Mulheres se mobilizam clamando por direitos. Governadores e prefeitos veem-se às voltas com quedas a cada mês mais abruptas da arrecadação e com a degradação e até mesmo a paralisia de serviços. Dividida em mais de um comando, tensionada entre diferentes centrais, a massa de trabalhadores ainda não entrou no jogo pra valer; todavia, seus sindicatos e centrais se movimentam e anunciam que resistirão às reformas patronais da previdência e aos ataques à CLT.

Por ora sem um eixo articulador, todos esses movimentos caminham cada qual em sua calha. Certos setores, mormente algumas articulações juvenis e feministas, contaminados em grande medida por postulados pós-modernos, perdem-se em discussões sobre legitimidades, horizontalidades e purismos de toda ordem. As profusas bandeiras específicas de cada setor do movimento popular, legítimas, ainda se sobrepõem à necessária bandeira de defesa da soberania e do desenvolvimento nacional. No parlamento, setores do combalido campo democrático, ou insistem em uma arrogância política comprovadamente insalubre, ou em demarcações de campo inócuas.

Muitos atores políticos insistem na construção de uma “frente de esquerda”, na manutenção, ou retomada, de um esquema de aliança que sustente o legado da última década. Sem desmerecer o importante diálogo e a desejável articulação entre as diferentes forças do campo popular, e para ser coerente com a natureza essencial do retrocesso que experimentamos a partir do golpe antinacional que foi armado pelo centro do imperialismo, dizemos que a frente é nacional e democrática, ampla, e que o centro, o eixo da construção e da ação dessa frente é a questão nacional, a defesa do Estado Nacional – Estado que lidere e articule os diversos setores econômicos e sociais em torno de um projeto nacional de desenvolvimento.

A consigna deve ser algo como “Quero meu País de volta!”. Um País que atenda aos interesses dos que pertencem a essa comunidade de destino chamada Brasil, e não aos interesses das petroleiras, das montadoras, das mineradoras, das farmacêuticas, das eletroeletrônicas, das alimentícias, dos bancos e financeiras, enfim, dos oligopólios norte-americanos, europeus ou asiáticos.

A plataforma dessa frente deve contemplar, entre outras diretrizes a serem pactuadas:

– a retomada da soberania sobre os recursos naturais e os setores estratégicos da economia nacional, com vistas a tê-los como bases e ativos de nosso incremento econômico, de nosso desenvolvimento multilateral e de nossa inserção internacional soberana e independente;

– a dinamização do setor privado nacional, a reestruturação de suas dívidas, o financiamento de investimentos estratégicos de longo prazo, a aposta em parceria para empreendimentos de infraestrutura, juros baixos, câmbio competitivo, fortalecimento do mercado interno e suporte para competir no mercado externo;

– a retomada, extensão e fortalecimento de um sistema de ciência, tecnologia e inovação e de resgate de setores estratégicos, como o de energia, da defesa e o das diferentes engenharias;

– aumento consistente da oferta de empregos, a valorização dos salários, o fortalecimento da CLT, a redução da jornada, a seguridade plena, com aposentadorias integrais e acesso universal aos serviços e instrumentos de saúde, o aumento da produtividade do trabalho, preservando a saúde e garantindo o bem-estar do trabalhador;

– educação científica, tecnológica e humanista de alta qualidade; promoção, proteção e incentivo à cultura e ao desporto nacionais e democratização do acesso aos meios de fruí-los, realizá-los e difundi-los;

– a democracia, o Estado de Direito e o respeito à Constituição e às leis nacionais como valores inegociáveis, garantias que são do livre exercício dos direitos sociais e políticos, da observância de deveres por parte de todos os brasileiros, do debate de ideias e da construção de consensos, e, mormente, da coesão nacional, necessária num ambiente global de instabilidade e de acirradas disputas comerciais. A democracia fortalece a Nação ante potências e interesses estrangeiros rapaces, apenas interessados em ganhos a qualquer custo e avessos à colaboração entre países baseada na autodeterminação e em vantagens mútuas.

Essa nos parece uma plataforma, não para uma frente apenas possível, mas, antes, para uma frente necessária. Frente Ampla, nacional, defensora do Brasil e de seu desenvolvimento soberano, da democracia e dos direitos sociais, capaz de envolver importantes setores do empresariado, grandes parcelas da classe média, os trabalhadores, em especial os dos ramos econômicos estratégicos e o funcionalismo público, os socialmente vulneráveis, artistas, cientistas, pensadores, militares, estudantes, partidos e lideranças políticas de diferentes agremiações, entidades representativas de vários segmentos. Frente necessária porque, além de cuidar de objetivos imediatos, relaciona-se a metas estratégicas. Necessária porque tem a missão, a um tempo urgente e permanente, de unir a Nação contra seus piores inimigos: o imperialismo e os especuladores, que lhe sugam a seiva e comprometem seu hoje e seu futuro.