Alexandre Lucas: Ler é ato de empoderamento

"Numa sociedade em que existem duas classes distintas, antagônicas e em constante luta, a leitura se divide e o seu acesso é desigual”.

Por *Alexandre Lucas

Coletivo realiza oficina de incentivo à leitura no Crato-CE

Antes da palavra e da leitura, existe gente! Para uma grande parte invisibilizada e silenciada, que tem acesso a um repertório resumido de narrativas e até mesmo de palavras, algumas palavras e expressões se cristalizam e automatizam nas mentalidades humanas das camadas populares, como o “não sabe”, “não é capaz”, “está errado”, “ler é ruim”, “desinteressado”, dentre outras negatividades que elevam a crença na inferioridade.

A democratização da sociedade passa pela democratização da leitura, a qual não pode ser percebida, apenas e exclusivamente como o acesso decodificação de letras que juntas formam expressões para comunicação. As camadas populares tiveram acesso ao letramento por uma exigência do modo de produção capitalista visando acomodação de mão de obra para demanda do mercado. Faz-se necessário pensar além da comunicação e do capital, ou ainda da normatização da língua, que ao longo da história serviu para normatizar a estratificação social.

O acesso à leitura, que necessariamente ocorre por processos de mediação e interação social, aponta que a compreensão da realidade e as leituras de mundo e de signos dependem deste processo. É necessário se questionar: quais e que perspectivas de mediações e interações estão sendo possibilitadas para ampliar as narrativas sociais?

A leitura pode ser por um lado acomodação, disciplinamento, opressão, normatização, dogmatização e estratificação; e por outro aspecto pode ser instrumento de desvendar, compreender e ampliar a visão sobre a realidade sócio-histórica, o que caracteriza que a leitura não tem caráter de neutralidade. A ciência não é imparcial. Numa sociedade em que existem duas classes distintas, antagônicas e em constante luta, a leitura se divide e o seu acesso é desigual. Eis um dos motivos imperativos para a defesa da democratização do acesso a leitura nas suas multifaces que envolvem a produção humana e não só a escrita. É necessário instigar o gosto pela descoberta e a confiança na humanidade para que faça sentido junto às camadas populares à apropriação das leituras.

Imagine uma fila de crianças esperando o seu momento para ler poesias, algumas sem nem saber pronunciar as palavras e muitas sem entender o que estão lendo. Mesmo assim elas insistem em ler poesias. Certamente, elas insistiram não pela a leitura, mas possivelmente o fato de não serem silenciadas, nem invisibilizadas, de poderem escolher o que vão ler, a satisfação em serem vistas, reconhecidas, capazes e receberem aplausos. Terem um momento de poder, mesmo que minúsculo e efêmero. Isso acontece na roda de poesia realizada pelo Coletivo Camaradas na Comunidade do Gesso, no Crato-CE.

Esse é um momento que antecede a decodificação das palavras, mas que manifesta o ato do empoderamento social, em que a poesia começa a fazer sentido.


*Alexandre Lucas é pedagogo, artista/educador e integrante do Coletivo Camaradas.

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