Artigo |  Assassinatos de Kate e Colombiano: quando o crime compensa

Por Geraldo Galindo*

O dia 29 de junho de 2017 é a data do sétimo ano do brutal e covarde assassinato de Paulo Colombiano e Catarina Galindo. Um crime movido apenas por usura, por cobiça desmesurada pelo vil metal. Os mandantes e executores ficaram menos de um mês atrás das grades e, logo depois, a Justiça os liberou para responderem ao processo em liberdade. Reconstituindo: o excelente trabalho de investigação da polícia concluiu que os irmãos Cassio e Claudemiro Santana são os autores intelectuais, e Adaílton de Jesus, Edilson Araújo e Wagner de Souza foram os responsáveis pela execução.

Para os familiares, amigos e companheiros de luta do casal, todas as suspeitas apontavam para os donos do plano de saúde do Sindicato dos Rodoviários, acima citados. Não era pra menos. Poucos dias antes da tragédia, Paulo Colombiano confidenciara a alguns interlocutores, inclusive a este escrevinhador, que vinha sofrendo ameaças de morte por sugerir a revisão das bases do referido plano de saúde, por compreender que era lesivo aos interesses da categoria. Nunca esquecerei que, no dia da conversa comigo, eu sugeri que ele se afastasse da entidade, que não colocasse sua vida em risco e fosse curtir sua aposentadoria. Bem próximo da cena do crime, naquela fatídica noite, dei meu primeiro depoimento levantando as evidentes suspeitas que pairavam naquele momento. Mais tarde, numa delegacia, formalizei o que dissera momentos antes.

Extremamente rigoroso com questões éticas e defensor intransigente de valores republicanos, Paulo pagou com a vida por contestar o que o considerava lesivo ao patrimônio dos trabalhadores rodoviários. Os criminosos não só decidiram eliminar o aguerrido sindicalista e valoroso dirigente do PCdoB, mas também minha inesquecível irmã Catarina Galindo, provavelmente por imaginar que ela poderia depois repassar informações que levassem à identificação dos autores.

Os familiares, no dia a dia, são frequentemente abordados com a seguinte pergunta: e aí, o Tribunal já marcou o julgamento dos criminosos? Essas solidárias e generosas pessoas, e todas as demais que lutam por justiça, querem ver o mais rápido possível os assassinos no banco dos réus. Elas sempre ficam revoltadas, e com razão, quando informadas de que o processo segue no ritmo marcha lenta, sem previsão de desfecho.

Nós temos a exata compreensão da complexidade de um processo desses. Sabemos também que a chicana jurídica é instrumento utilizado sem cerimônia pela caríssima banca que atende aos acusados. Faz parte. Temos também o entendimento de que os responsáveis pelo duplo assassinato merecem o mais amplo direito de defesa – o que eles não permitiram aos nossos entes queridos. É parte do estado de direito que devemos prezar. Por mais que nos sintamos indignados com a covardia dos criminosos, não enveredaremos para a defesa de um tipo de justiça que pune e prende sem um devido processo legal, tão em voga no Brasil atual. O que queremos, obviamente que sem atropelos ou manobras, é a agilização do processo, e isso nós achamos ser possível.

No título do artigo, falo em “quando o crime compensa”, a razão que me levou a escrevê-lo. Antes, é necessário dizer que compensa para ricos, que podem pagar valores milionários a renomados advogados, já que temos centenas de milhares de pobres e negros sem sentenças judiciais, padecendo nas desoladoras penitenciárias brasileiras. O caso de Catarina e Colombiano é um exemplo perfeito de que o crime, às vezes, compensa. Vejamos: dois milionários decidem matar duas pessoas inocentes. Imaginam que não serão descobertos, mas deixam rastros. São identificados pela polícia e denunciados à Justiça. A partir daí, entram em cena os recursos jurídicos para postergar o processo ao máximo. Sete anos se passam de impunidade e sem nenhuma previsão de solução no curto prazo (estamos ainda com o caso numa turma do Tribunal de Justiça aguardando o posicionamento de uma desembargadora revisora que vai examinar o voto do juiz relator para se posicionar e submeter ao colegiado para uma pronúncia). Com várias possibilidades de mais e mais recursos, inclusive nas instâncias superiores, podemos imaginar, numa previsão otimista, que teremos mais dois ou três anos para uma solução, que seria o julgamento num júri popular. E, caso consigamos levá-los a júri, supondo que sejam condenados, os assassinos terão passado entre nove ou 10 anos (talvez mais) em liberdade, depois de cometido o crime. Na cabeça de um rico avarento, sádico e perverso, deve passar a ideia de que valeu a pena.

Tendo esse caso como referência, poderíamos concluir que os ricos no Brasil, caso optem por matar pessoas, teriam, logo de partida, 10 anos de impunidade, isso se forem condenados, pois ainda existe a possibilidade de serem absolvidos numa instância do Judiciário ou num júri popular. Devemos ainda levar em conta a hipótese de, a depender da idade do criminoso, e mesmo de um eventual bom comportamento na prisão, o tempo de condenação ser abreviado.

Enfim, enquanto os familiares e amigos sofrem com a impunidade, os criminosos desfrutam a vida boa nos iates, mansões bem equipadas e seguras, passeiam pelo Brasil e pelo mundo.

Na medida em que a estrutura da Justiça funciona em ritmo lento, sua morosidade conduz, objetivamente, à impunidade. Há de se refletir sobre uma reforma profunda no Judiciário brasileiro, por essa e outras razões.

*Geraldo Galindo, dirigente do PCdoB, é irmão de Catarina e cunhado de Paulo Colombiano