Zanin, Serrano e Dallari: O exercício da advocacia em tempos de golpe

O 11 de agosto é marcado pelo Dia do Advogado. Em tempos de golpe e de profunda crise política, que afeta todas as instituições da República, a profissão, considerada como um dos pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, enfrenta constantes ataques.

Por Dayane Santos

advogados zanin serrano e dallari - Reprodução

Para Dalmo Dallari, professor emérito da USP desde 1972 e um dos mais renomados juristas brasileiros, a advocacia é fundamental para a convivência humana, democrática e justa.

“O advogado deve buscar a efetividade do direito, mas sem perder de vista a sua responsabilidade com o próprio direito e a justiça”, diz ele. “O advogado deve estar consciente da sua responsabilidade e do seu papel, sem perder de vista o dever e a coragem de enfrentar resistências.”

Professor de centenas de profissionais do direito, inclusive de ministros do Supremo Tribunal Federal, Dallari reforça que o advogado deve ter um compromisso com os preceitos assegurados pela Constituição Federal, de garantir os direitos, principalmente para a população das camadas mais pobres.

“É esta camada da população que tradicionalmente é marginalizada, discriminada e prejudicada”, enfatiza ele. “O advogado tem que garantir o direito para aqueles que, teoricamente, têm o direito por determinação da Constituição, mas não dispõem de meios para efetivá-los. É preciso assegurar que seus clientes tenham a garantia de que seus direitos não serão prejudicados por interesses alheios. Isso se torna mais difícil numa sociedade em que o poder econômico é extremamente influente.”

Crise política

Contaminada pela profunda crise política, a democracia foi envenenada pelo discurso de ódio e punitivista, que condena antes mesmo da instauração de algum processo, sendo uma afronta aos direitos e garantias fundamentais, princípios basilares da nossa Constituição.

“Lamentável”, resumiu o advogado Cristiano Zanin, responsável pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar sobre a atual condição do exercício da advocacia. Sem dúvida, Zanin é o maior exemplo do enfrentamento aos abusos de autoridade e tentativa de desqualificação da defesa.

“Nós vivemos num momento em que as prerrogativas profissionais do advogado estão sendo violadas permanentemente. E essas prerrogativas não são nenhum privilégio do advogado, mas garantias para que ele possa exercer com independência o direito de defesa, que é assegurado ao acusado no processo. Essa é uma mensagem importante, principalmente nesse Dia do Advogado, para que haja uma reflexão e medidas para reverter esse quadro que devem partir tanto da classe de advogados, mas também de medidas legislativas que reforcem as prerrogativas e a necessidade de sua observância”, afirmou Zanin.

Além de atuar nos processos, Zanin tem que rebater os ataques midiáticos, já que boa parte das acusações têm vindo pela imprensa.

“Na medida em que se promove a espetacularização do processo, acaba por fazer um julgamento na mídia que antecede a qualquer julgamento dentro do devido processo legal, interferindo no resultado da ação, pois a pessoa é punida pela mídia. A opinião pública, a partir disso, interfere nas decisões judiciais e, em alguns casos, as mesmas passam a ser meramente homologatórias do julgamento midiático”, argumenta.

Defender o suposto “inimigo”

Segundo Pedro Serrano, advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, a advocacia sempre foi uma profissão de risco, porque liberdade e direitos só são valorizados em períodos imediatamente posteriores às guerras e ditaduras.

“Como o advogado tem o papel de defender os direitos e as liberdades, em geral de pessoas que naquele momento a sociedade se coloca contrária, ou seja, tratam essas pessoas como inimigos públicos, os advogados acabam sendo vitimizados ao defender os direitos dessas pessoas”, enfatizou o jurista.

Zanin concorda e diz que esse discurso que criminaliza também cria um estereótipo do advogado, como se este utilizasse da inverdade ou de meios protelatórios, ao invés de também participar e colaborar com a apuração da verdade dos fatos.

“É uma forma de colocar em desvantagem o acusado. Há uma supervalorização daquilo que é dito pelo Ministério Público e uma tentativa de desqualificação do que é apontando pela defesa. Isso claramente provoca em desvantagem a defesa do acusado, na medida em que os seus advogados tenham a sua credibilidade questionada de uma forma indevida”, declarou Zanin.

Estado de exceção

De acordo com Serrano, a crise política brasileira trouxe de volta, de forma intensa, a ações autoritárias por parte do Estado, o que tem refletido diretamente no exercício da advocacia.

“O que vemos é um tempo do espetáculo radicalizado, e isso coloca o advogado sob risco, com antipatia social. A defesa é sempre contramajoritária. É sempre contra a maioria. Quem resolve escolher a advocacia como profissão faz a opção por um certo isolamento do ambiente social, podendo até ser mal falado. Mas não deve se deixar influenciar por isso”, frisou.

Serrano salienta que as leis e os mecanismos jurídicos têm sido utilizados como instrumento de perseguição política e que tal estratégia foi usada em diversos momentos da nossa história.

“Quem foram os grandes inimigos públicos da história? Socrátes, Tiradentes, Martin Luther King, Mandela, entre outros. O criminoso comum nunca é um inimigo público, como chamavam os romanos. Aliás, os romanos chamavam de ‘hostis publicus’, que era o inimigo do governo, do Estado naquele momento histórico”, lembrou.

Ele acrescenta que, diferentemente do discurso punitivista de que o advogado só defende bandidos, os advogados são a garantia de que os direitos fundamentais serão respeitados.

“Os heróis estão lutando pelo futuro. E o advogado, em geral, é o único ao lado deles. Portanto, não queremos livrar bandidos da punição. Nós defendemos os direitos do homem, a humanidade que reside naquela pessoa acusado que pode ser um bandido ou pode ser um Nelson Mandela, que durante 25 anos estava fichado na Interpol como terrorista. Hoje ele é um herói, talvez o maior do século 20. Mas naquele momento em que era acusado, quem estava ao lado dele era um advogado”, frisou.

Para o jurista, defender liberdades nunca é fácil, pois é enfrentar uma maioria. “O advogado nunca defende o seu cliente somente do promotor, da polícia ou do Estado. Se defende da turba [multidão]. Hoje o que é a defesa do Lula?”, indagou.

Lawfare

O processo enfrentado pelo ex-presidente Lula é considerado o exemplo mais evidente das arbitrariedades e abusos de autoridade que se proliferam em todo o país. Prisão coercitiva sem previsão legal, apresentação de uma denúncia criminal em rede nacional, com a elaboração de um Power Point repleto de adjetivações em que as convicções valem mais do que as provas, foram algumas das aberrações do processo.

Zanin aponta que tais arbitrariedades são resultado do chamado “lawfare”, que representa o uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição política, o que gera uma profunda insegurança jurídica.

“Há uma clara insegurança jurídica na medida em que se vê alguns juízes aplicando medidas que não encontram qualquer amparo na lei. A lei, que deveria ser o limite da atuação do poder do Estado, está sendo deixada de lado. E, ao mesmo tempo, estão sendo desrespeitadas garantias fundamentais sem que haja uma correção dentro dos recursos permitidos ou destinados a essa finalidade”, explicou.

O advogado salienta que, ao extrapolar os limites da lei, o principal prejudicado é o Estado de direito e a configuração dos poderes.