Jesualdo Farias: O desfile de Charlottesville

“O que vemos é um salve-se quem puder. Desde a 'farra cívica' de nobres deputados na sessão da Câmara Federal naquele domingo 17 de abril de 2016, que autorizou a instauração do processo de 'impeachment' da presidente Dilma, sem crime de responsabilidade, o Brasil agoniza”.

Por *Jesualdo Farias

Ainda ecoam os reflexos da violenta repressão policial nas últimas manifestações de rua em Brasília; dos tiros nas costas de trabalhadores rurais na Fazenda Santa Lúcia no Pará; das rebeliões no complexo penitenciário Anísio Jobim em Manaus e no centro de atendimento socioeducativo na Paraíba; do fogo que queimou um morador de rua em Salvador e do estupro coletivo de uma menina de 12 anos no Rio de Janeiro.

Já em um silêncio indecifrável, um jovem é torturado por um tatuador, em São Bernardo do Campo, que crava em sua testa a sentença de um suposto crime: “eu sou ladrão e vacilão”. As imagens da barbárie produziram manifestações de regozijo nas redes sociais se traduzem um país irreconhecível, mergulhado em uma onda crescente de preconceito e de intolerância. Uma reflexão apressada poderia nos conduzir à conclusão de que estes eventos não dialogam entre si.

No entanto, todos aconteceram recentemente e são apenas alguns exemplos de uma crescente onda de violência, de norte a sul do País, que parece não incomodar boa parte da sociedade. São fatos que podem induzir à consolidação de um processo de degradação moral em que tudo é permitido, em que não se respeitam as leis e a justiça cabe a qualquer um fazer onde e como quiser. São manifestações fascistas que avançam a passos largos e envergonham o País.

O que vemos é um salve-se quem puder. Desde a “farra cívica” de nobres deputados na sessão da Câmara Federal naquele domingo 17 de abril de 2016, que autorizou a instauração do processo de “impeachment” da presidente Dilma, sem crime de responsabilidade, o Brasil agoniza. A luta pelo fim da impunidade e da corrupção já não mobiliza as “massas”. Isso poderia estar associado à falta de esperança, ante a crise institucional que se agrava a cada dia e à descrença em instituições brasileiras que já não garantem a ordem legal nem a manutenção da democracia.

Não se sabe até quando continuarão prosperando o silêncio e o medo dos bons, ante tamanha desfaçatez. Enquanto isso, rogamos que este cenário não seja prenúncio do ocorrido no último desfile de Charlottesville?

*Jesualdo Farias é secretário estadual das Cidades e professor titular da UFC.

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