A reforma trabalhista não vai gerar empregos, vai apenas precarizá-los

Essa é a opinião do desembargador Luís Henrique Rafael, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª região. Entrevistado pelo portal Vermelho/SP, o desembargador faz uma análise das principais mudanças que serão introduzidas no mundo do trabalho quando a lei 13.467/17, a reforma trabalhista, entrar em vigor.

desemb - Acervo pessoal

O governo alega que a lei 13.467/17 vai gerar empregos, porém economistas do Cesit/IE/Unicamp dizem que o que gera emprego é desenvolvimento, e que em países onde houve flexibilização da legislação trabalhista não ocoreu geração de empregos automaticamente. O que senhor pensa sobre isso?

– Eu tenho estudado o que já foi feito em outros países. Tenho estudado o direito comparado através de contatos com organismos internacionais como a OIT (Organização Internacional do Trabalho, uma agência da ONU) e sindicatos de outros países. Num debate que participei, um sindicalista alemão disse que nos países onde essas reformas já foram implementadas, há mais de dez anos, elas não levaram ao aumento da empregabilidade, ao contrário, houve o aumento das condições desfavoráveis ao trabalhador com a criação de empregos em condições piores do que as que existiam. O objetivo da reforma é claro, promover uma ampla terceirização. A reforma implementa a possibilidade de contratação de autônomo, de pessoas jurídicas – que não são empregados e, portanto, não estão integrados aos objetivos da empresa, ao seu quadro de carreiras. Isso não é geração de emprego, isso é precarização. Pode haver o aumento do número de trabalhadores com ocupação, mas não vai haver um aumento no nível da empregabilidade como temos hoje. 

A opinião dos economistas da Unicamp está correta. O que gera emprego é desenvolvimento econômico, não é a precarização das relações de trabalho. Recentemente, o jornal Clarin noticiou que o presidente argentino Mauricio Macri também está estudando uma reforma trabalhista, que facilite as demissões e reduza direitos dos trabalhadores, para equiparar os custos da mão-de-obra na Argentina com os custos no Brasil após entrada em vigor da reforma trabalhista em nosso país. Ele acha que isso vai levar a uma concorrência desleal no Mercosul e por isso também quer fazer uma reforma que rebaixe os direitos do trabalhador argentino.

Desde sua criação, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) tem sido questionada. Qual a sua opinião sobre a CLT atualmente?

– Em tese, a CLT é um documento antigo, de 1943. Mas ela vem sendo alterada ao longo das últimas décadas, não é mais o mesmo documento dos anos 1940. Ela sofreu várias alterações. Eu destaco duas principais – a lei do Fundo de Garantia, de 1967, que acaba com a estabilidade no emprego prevista na CLT, onde o empregado adquiria estabilidade após 10 anos na mesma empresa, isso é quebrado durante a ditadura militar para facilitar o investimento estrangeiro; depois tivemos a Lei 6.019, de 1974, que é a lei do trabalho temporário. Tivemos outras alterações, como em 1998 que estabeleceu a possibilidade de criação do banco de horas, os acordos de compensação de jornada. Ou seja, a CLT não é um documento tão velho. Ela precisava de atualizações porque o tipo de trabalho mudou, principalmente nos últimos vinte anos com a revolução tecnológica que informatizou muitas operações. Tivemos o fenômeno da Internet que propiciou o surgimento de diversas formas de trabalho que não estão protegidas. Mas alterações deveriam ter o sentido de melhorar a situação do trabalhador.

Victor Pagani, analista do Dieese, afirma que essa lei reduz a proteção institucional ao trabalhador. O que o senhor acha?

– Alguns artigos que foram destacados pela mídia, durante a tramitação do projeto de lei, são positivos; como a previsão da negociação coletiva prevalecer sobre alguns itens da legislação – não todos, já que a negociação não pode suplantar os direitos indisponíveis previstos na lei. Havia necessidade de proteção do teletrabalho – o trabalho feito à distância. Entretanto, a grande maioria dos itens modificados inverteu a proteção ao trabalhador. Os trabalhadores vão ficar menos protegidos com as mudanças. Outras alterações também prejudiciais são o enfraquecimento dos sindicatos e as demissões que estão facilitadas já que não há mais necessidade de homologação da rescisão, o que afasta o trabalhador do contato com o sindicato. A lei regulamentou alguns assuntos, mas reduziu a proteção institucional que o trabalhador tinha.

Há inconstitucionalidade nessa lei, ela pode gerar novas demandas judiciais?

– Com a lei 13.467, o empregador terá autorização expressa para demitir o empregado sem fazer a homologação no sindicato, mesmo aqueles com mais de um ano de casa. O empregador agora tem autorização legal para terceirizar qualquer atividade, meio ou fim. O empregador pode reduzir jornada, reduzir intervalo sem assinar acordo ou convenção coletiva, ele pode assinar direto com o empregado. Ora, se o empregador pode fazer tudo isso, quem vai deixar de fazer? É uma questão matemática. Quem não fizer, vai ter um custo maior. Eu acredito que já de início teremos uma enxurrada de medidas adotadas pelas empresas para reduzir custos. Isso vai levar a muitos questionamentos na Justiça do Trabalho. Deve haver muito questionamento porque há muitos pontos da lei que contrariam a CLT, contrariam a legislação da Previdência e contrariam a Constituição Federal.

Foram criados seis tipos de contratação. Isso é uma necessidade das relações de trabalho atuais ou é só para flexibilizar o mercado?

– São as duas coisas. Havia a necessidade de que outros tipos de contratação fossem regulamentados, como o trabalho intermitente e o teletrabalho. Entretanto, a forma como isso se deu vai causar sérios prejuízos ao trabalhador. Ao mesmo tempo em que a CLT, em seus artigos 2° e 3°, define o que é empregado e empregador, essa nova lei afirma que o trabalhador autônomo, seja exclusivo ou não, pessoal ou não o trabalho, ele não gera vínculo empregatício. Ora, se o empregado é autônomo mas os requisitos do contrato de emprego são previstos – como horário de trabalho, subordinação, pessoalidade – como a lei pode dizer que ele não é empregado se ele tem todos os requisitos de empregado? E a lei diz isso. Diz que o autônomo mesmo com os requisitos do emprego não é empregado. É uma incongruência da lei nova com a CLT.

Por outro lado, ao instituir o trabalho intermitente, que é uma reivindicação antiga de alguns setores da economia, a lei prevê que será pago um salário mínimo/horário. O que quer dizer isso? Se a pessoa trabalha 220 horas, que é o regime que temos hoje, ela pode, no mínimo, receber o menor salário que temos hoje que é o salário mínimo. Se ela trabalhar menos horas, vai receber menos que o salário mínimo? Isso é inconstitucional. São questões previstas na nova lei que vão acarretar questionamentos de ilegalidade e inconstitucionalidade. Esses novos contratos que foram oficializados, na maioria dos casos, só servem para diminuir custos da mão de obra e prejudicar os direitos usufruídos pelos trabalhadores.

As mudanças valem para os contratos de trabalho em vigor ou apenas para os novos contratos?

– A lei não prevê isso. O Judiciário terá que interpretar. Eu entendo que a lei será aplicada automaticamente. A lei é omissa nesse caso, ela não expressa se as mudanças valem para os contratos em curso. Mas, lei é lei. Entrou em vigor, tem que ser cumprida. Em outras questões, como terceirização, a lei é clara. Se o empregado for demitido, ele só poderá ser contratado como terceirizado após dezoito meses. Os demais casos – como trabalho intermitente, teletrabalho, redução de jornada – não está expresso. As empresas poderão aplicar imediatamente as mudanças.

A lei reduz o papel da Justiça do Trabalho?

– Eu acho que não. Veja, só as hipóteses das novas de contratação e de negociação coletiva vão demandar interpretação pela Justiça do Trabalho. Não há outro órgão que possa interpretar se a contratação está correta ou não, se atende a nova lei ou não. Quem vai dirimir tudo isso é a Justiça do Trabalho. A lei tenta limitar o campo de atuação da Justiça do Trabalho. Por exemplo, ela colocou freios na análise que é feita sobre os acordos e convenções coletivas. A lei diz que a análise pela Justiça do Trabalho ficará limitada aos aspectos formais. Entretanto, isso viola um inciso do artigo 5° da Constituição Federal que dispõe que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de direito, é um princípio universal do Direito. Então, as pessoas e entidades têm o direito de acionar e a Justiça não pode se furtar a analisar os questionamentos feitos. Então, há uma tentativa de reduzir o papel da Justiça do Trabalho e há também as hipóteses de resolver os conflitos através do compromisso arbitral. A lei prevê que empregados, com nível superior, que recebam mais do que dois benefícios teto da Previdência (teto do benefício: R$ 5.531,31), poderão resolver os conflitos trabalhistas através de compromisso arbitral. Mas, mesmo que isso ocorra, o trabalhador não perde o direito de questionar a validade deste acordo perante a Justiça do Trabalho.

Qual é a alternativa para os trabalhadores e os sindicatos?

– Isso passa pela mudança nos sindicatos. Os sindicatos foram atingidos porque as fontes de custeio foram diminuídas pela lei. Outras fontes já haviam sido diminuídas em recentes decisões do STF que limitaram a cobrança da taxa Confederativa e Assistencial apenas para os sócios. Ao mesmo tempo, a nova legislação dá vários poderes aos sindicatos para negociarem com as empresas, no que está sendo chamado de “negociado prevalecer sobre o legislado”. Mas, em que condições esse sindicato vai negociar se ele não tem recursos que sustentem sua atuação? Os sindicatos vão ficar mais vulneráveis. É uma oportunidade dos sindicatos se reinventarem. De se aproximarem do trabalhador, da sua base, de convencer o trabalhador que o sindicato é importante e por isso ele, o trabalhador, deve se associar porque o sindicato vai ter um papel fundamental daqui para frente. Se os sindicatos encolherem, não terão condições de negociar com as empresas. O trabalhador tem que se apegar ao sindicato para garantir as suas condições de trabalho. Para isso, ele tem que ser filiado. E o sindicato, para ter força numa negociação coletiva, ele tem que ter filiados. Eu acredito que é necessária uma mudança na mentalidade, uma mudança de postura de algumas entidades sindicais. Hoje, a muitas entidades sindicais se acomodaram com as contribuições compulsórias e não vão atrás de outras alternativas de receita. Para sobreviver, terão que mudar.