O que revelam – e o que escondem – os números do desemprego

Foi com alarde que o governo Temer festejou a queda da taxa de desemprego no País, apontada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). No período de fevereiro a abril de 2017, havia um recorde de 13,6% de trabalhadores sem ocupação no Brasil (cerca 14,1 milhões de pessoas). Um trimestre depois (entre maio e julho), o índice caiu a 12,8% – ou aproximadamente 13,3 milhões de brasileiros.

Por André Cintra*

Centrais sindicais primavera de lutas no masp setembro de 2017 - Reprodução do Portal CTB

Mas a embalagem triunfante que Temer atribuiu aos números do IBGE não se sustenta. O próprio instituto – que se baseou na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua – apresenta outros dados que põem em xeque o otimismo. Um exemplo: dos 90,7 milhões de trabalhadores ativos entre maio e julho, apenas 33,3 milhões tinham carteira assinada – número similar ao trimestre anterior. É sobretudo à base de “bicos” (trabalhos informais e precários) que o desemprego cai no Brasil.

“Ainda é prematura qualquer comemoração”, afirma, em entrevista ao Portal da FITMETAL, a economista Lúcia Garcia, técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos) e especialista em mercado de trabalho. “Sem uma retomada consistente e vigorosa da economia brasileira por um período largo, não acreditamos que o mercado de trabalho volte ao nível da época dos governos Lula e Dilma.”

Para Lúcia – que coordena o Sistema PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego) do Dieese –, a política econômica atual não estimula a criação de vagas a médio e longo prazo. “É preciso aumentar o investimento público para dinamizar a economia, dar ganhos reais de salários (como pela política de valorização do salário-mínimo) e aumentar a proteção ao trabalhador”, sintetiza Lúcia. Em outras palavras, as diretrizes do governo Temer têm de mudar.

Confira a entrevista:

Portal da FITMETAL: Segundo o IBGE, o desemprego no Brasil caiu de 13,6% para 12,8%. Essa queda do desemprego é consistente, sinaliza uma tendência?
Lúcia Garcia: O indicador de desocupação utilizado pelo IBGE contempla apenas o desemprego aberto. É aquele em que o trabalhador se especializa na procura pelo trabalho porque tem garantidas suas condições de sobrevivência – por dispor de recursos de indenizações e verbas rescisórias do último trabalho, ou por contar com apoio familiar. À medida que o desemprego se torna crônico, entretanto, outras formas de desemprego que estavam ocultas – pela intermitência da procura de trabalho ou pela concomitância com ocupações temporárias (bicos) – começam a aparecer.

O desemprego medido pelo Dieese/PED, embora não tenha a cobertura nacional apresentada pelo indicador do IBGE/Pnad, retrata um quadro proporcionalmente pior – com desemprego mais intenso. O desemprego que se estabeleceu a partir da crise institucional do Brasil, na passagem de 2014 para 2015, é persistente. Em São Paulo, segundo o Dieese/PED, em julho de 2016, um trabalhador desempregado permanecia, em média, 44 semanas à procura de uma ocupação.

A pesquisa do IBGE sinaliza muito mais uma acomodação do desemprego em patamares muito elevados do que um declínio consistente da escassez de oportunidades de trabalho. Embora as oscilações da taxa de desemprego acompanhem movimentos cambaleantes do nível geral de atividade econômica, expressos no acompanhamento do PIB, ainda é prematura qualquer comemoração.

Portal da FITMETAL: Em 2014, ao final do primeiro governo Dilma, o Brasil tinha apenas 4,8% de desempregados na média do ano – a menor taxa já registrada. Podemos voltar a esses patamares?
Lúcia Garcia: Vários fatores dão sustentação ao nosso posicionamento cético. Até 2014, a taxa de desemprego Pnad/IBGE apresentava retração no segundo trimestre, um movimento também observado nas Taxas de Desemprego/Dieese-PED. Podemos estar apenas recuperando um comportamento sazonal, visto que, nos segundo e terceiros trimestres de cada ano, a atividade econômica ganha um pouco mais de força, e oscilações de um ou dois pontos percentuais são admissíveis.

Ainda que tenha havido uma queda na taxa de desemprego, esse indicador continua em patamar muito superior ao observado no passado. No trimestre encerrado em julho deste ano, a taxa de desemprego (12,8%) ficou 1,2 ponto percentual acima do observado no mesmo período de 2016 (11,6%). Eram 13,3 milhões de desempregados em julho deste ano, contra 11,8 milhões do ano passado.

Mesmo não problematizando a natureza das oscilações, inegavelmente estamos muito distantes do alcance de níveis suportáveis de desocupação. Não há sinais nítidos de recuperação econômica para o futuro imediato, até fins de 2017. O mercado de trabalho reflete tomadas de decisões atomizadas por setores e ramos afetados desigualmente pelo ritmo dos investimentos privados, gastos públicos, consumo dos trabalhadores e suas famílias, além de comercialização externa. Flutuações são esperadas.

Por todas essas razões, sem uma retomada consistente e vigorosa da economia brasileira por um período largo, não acreditamos que o mercado de trabalho volte ao nível da época dos governos Lula e Dilma.

Portal da FITMETAL: O Brasil passou a gerar mais empregos informais e precários. É possível combater o desemprego sem aumentar a precarização?
Lúcia Garcia: De fato, o aumento da ocupação visto nos últimos meses tem se dado no trabalho informal, sem carteira ou por conta própria, geralmente em situação bastante precária. Por outro lado, o emprego com carteira de trabalho assinada continua se deteriorando. Essa situação tem impactos terríveis no curto e no longo prazo.

"Ainda que a economia brasileira esteja em uma das piores crises de sua história – e a reforma trabalhista deve desestruturar profundamente o mercado de trabalho –, as campanhas salariais do setor produtivo podem ser um foco de resistência fundamental"
O trabalhador não tem acesso aos direitos trabalhistas que ainda restam, como 13º salário, férias remuneradas, garantia de data-base, seguro-desemprego, FGTS, etc. Em geral, trabalhadores informais ou por conta própria não contribuem com a Previdência Social – o que dificultará a obtenção de aposentadoria no futuro. O fato de o aumento da ocupação estar acontecendo dessa forma tem impactado inclusive na receita da Previdência, aumentando o desequilíbrio do sistema – que tem se dado pelo lado da receita, e não pelo lado da despesa.

É importante ressaltar que é possível, e necessário, combater o desemprego sem aumentar a precarização do trabalho. É preciso aumentar o investimento público para dinamizar a economia, dar ganhos reais de salários (como pela política de valorização do salário mínimo) e aumentar a proteção ao trabalhador. Isso gera aumento da massa salarial e mais confiança do trabalhador, criando uma espiral positiva que dinamiza a economia e o emprego.

Portal da FITMETAL: A construção civil e a indústria de transformação – segmentos com potencial para gerar mais empregos diretos e indiretos – continuam em recessão. Dá para garantir crescimento e retomada de investimentos à margem desses setores?
Lúcia Garcia: Esses dois setores são estratégicos na economia de todos os países. São aqueles que compõem o coração da produção nacional, com encadeamentos para trás e para frente – ou seja, requisitam uma grande variabilidade de insumos, máquinas e ferramentas, por um lado, e alimentam uma ampla rede de comercialização e prestação de serviços, por outro. Mas o sonho da geração de empregos pelo estímulo a esses setores esbarra em particularidades.

A construção abarca obras civis (edificações), grandes obras de infraestrutura e os serviços associados à transformação de projetos em habitações, estabelecimentos empresariais, estradas, pontes, portos, aeroportos, etc. É um setor que depende do gasto governamental direto e de programas de habitação, além de políticas de crédito para aquisição de moradias. Já a indústria de transformação reage ao consumo interno, ao gasto governamental e à demanda por exportação, que materializam, por ordem, poder de compra dos trabalhadores, orçamento público e política industrial.

Como nenhum desses requisitos é satisfeito pela economia brasileira no momento, não há uma recuperação vigorosa dos empregos perdidos nesses segmentos nos últimos dois anos. Para além disso, não havendo recuperação de construção e transformação, não haverá geração firme de ocupação em comércio e serviços dos grandes centros urbanos. A tendência é estagnar a destruição de postos de trabalho. Poderão ocorrer variações circunstanciais, como melhorias momentâneas, típicas da acomodação de um ramo ou uma região do País – e uma exploração dessas conjunturas pelo governo federal e seus apoiadores, incluindo intelectuais e mídia. Nas mesas de negociação e contratações, contudo, o empresariado não será ideológico, mas pragmático.

Portal da FITMETAL: A geração de empregos é um dos mantras ao qual o governo Temer recorre para justificar a nova lei da terceirização e a reforma trabalhista. Essas medidas têm mesmo potencial para ampliar os postos de trabalho?
Lúcia Garcia: Não acreditamos que essas medidas alavancarão o emprego no Brasil. A restrição de direitos, implícita na reforma, tende a aumentar a instabilidade do trabalhador no emprego, retraindo sua intenção de gasto e diminuindo a confiança na economia. A terceirização tende a reduzir os salários médios. Em geral, os trabalhadores terceirizados têm salários inferiores aos não terceirizados, além de relações de trabalho mais precárias.

O aumento da massa salarial fica comprometido, tendo impactos negativos sobre a atividade econômica no comércio e nos serviços. Como o motor principal da economia brasileira é o gasto das famílias, é preciso aumentar a massa salarial, com o aumento dos salários e de empregos protegidos, para que se dinamize a economia.

Portal da FITMETAL: Como o novo cenário impacta nas campanhas salariais, em especial para os metalúrgicos e as demais categorias ligadas ao setor produtivo?
Lúcia Garcia: A categoria dos metalúrgicos é uma das mais organizadas e importantes para o País. Em geral, os trabalhadores do setor produtivo, por seu papel estratégico na economia e pelo histórico de lutas e conquistas, são como farol para as negociações coletivas de outros setores.

Ainda que a economia brasileira esteja em uma das piores crises de sua história – e a reforma trabalhista deve desestruturar profundamente o mercado de trabalho –, as campanhas salariais do setor produtivo podem ser um foco de resistência fundamental a tudo isso. Não apenas para manter as conquistas obtidas pelos trabalhadores ao longo da história brasileira, mas para evitar que a reforma trabalhista inviabilize um projeto de Nação que esteja voltada aos trabalhadores, e não ao capital.

*André Cintra é jornalista e assessor de imprensa da Fitmetal