Kassab pode estar usando programa do governo como moeda eleitoral

Lançamento do Internet Para Todos em municípios geridos pelo PSD ou por políticos eleitos em coligação com partido do ministro gera suspeitas de que de Gilberto Kassab possa estar usando o programa para viabilizar sua candidatura a vice-governador de São Paulo.

Kassab - Marcelo Camargo/Agência Brasil

O governo brasileiro tomou a importante decisão de ter um satélite próprio para comunicações para ganhar em autonomia e privacidade. Parte da capacidade deste satélite seria dedicada para as comunicações das Forças Armadas e o restante para a conexão de municípios isolados, de forma a responder à necessidade de ainda conectar praticamente metade dos domicílios brasileiros.

A partir de informações disponíveis acerca do Programa Internet Para Todos – lançado em dezembro de 2017 – observa-se elevado risco de uso político e eleitoral do satélite –, provavelmente, para garantir a ambição de Gilberto Kassab de ser vice-governador de São Paulo.

O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) foi adquirido pelo governo brasileiro em 2011, pelo custo de R$ 2,7 bilhões, ainda durante o governo da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Em 2017, já sob o comando de Michel Temer, o governo decidiu privatizar a capacidade satelital, vendendo à iniciativa privada parte do que deveria ser utilizado para garantir conexão aos domicílios do país. Após longo processo, a tentativa foi um fracasso – nenhuma empresa se interessou.

Em dezembro do ano passado, o ministro Gilberto Kassab (Ministério da Ciência, Tecnologias, Inovações e Comunicações – MCTIC) anunciou um programa, o Internet Para Todos, para finalmente definir como usar a capacidade satelital do equipamento. E, no início de janeiro de 2018, o MCTIC divulgou uma lista de 25 mil localidades indicadas como possíveis beneficiadas por conexão utilizando o satélite.

Os municípios interessados em participar, estejam na lista ou não, devem encaminhar um ofício ao MCTIC, solicitando adesão ao programa. Como contrapartida pela conexão, o município deverá selecionar um terreno para a instalação de uma antena pela empresa de Internet credenciada para prestar o serviço, garantir a segurança desse terreno, arcar com as despesas de energia elétrica que a antena consumir e ainda encaminhar um projeto de lei à Câmara de Vereadores para isentar essa operação da cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS).

Como o Programa seria para empresas formarem parcerias no Programa Governo Eletrônico Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), a conexão estaria também isenta do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)

A prestação do serviço será feita por meio de empresas credenciadas pela Secretaria de Telecomunicações do MCTIC. O chamado foi aberto dia 8 de janeiro de 2018 e não tem prazo para acabar.

A princípio, a Telebras, parceira do programa, deve apresentar credenciamento para começar a atender algumas localidades, mas, segundo o diretor de Inclusão Digital do Ministério, Américo Bernardes, “qualquer outra empresa pode se credenciar”.

A operadora interessada deve indicar as localidades que pretende atender, demonstrar capacidade para fornecer a conexão e apresentar proposta de velocidades, cronograma, estimativa de preço, tecnologia e serviço a ser ofertado, além de comprovar que possui os requisitos previstos pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a prestação do serviço de conexão à Internet (SCM).

Sem regras nem critérios

O Internet Para Todos, criado no final do ano passado, não está baseado em nenhum decreto ou lei, apenas uma Portaria (7.437 de 20 de dezembro de 2017 do MCTIC). Neste sentido, existem pouquíssimas informações oficiais disponíveis sobre o Programa. Inclusive, não há, até o momento, qualquer regra que priorize municípios onde não há oferta de conexão ou infraestrutura adequada para tal, ou mesmo, onde a oferta disponível é muito cara ou a densidade de conexão é muito baixa. Em outras palavras, não está evidente se os municípios beneficiados pelo Programa são de fato aqueles onde a política pública de conexão deve ser implementada.

Pelas poucas regras do Internet Para Todos divulgadas até agora, não há qualquer impedimento a uma empresa de usar o satélite da Telebras, com uma série de incentivos e vantagens, e ofertar conexão à Internet em áreas de alto interesse econômico.

Se este cenário se configurar, mais uma vez estaria caracterizado o uso de recursos públicos por empresas privadas sem compromisso com as necessidades de universalização do acesso. O que se sabe é que o programa do MCTIC foi anunciado em diversos municípios do Sudeste, onde, contraditoriamente, está grande parte da infraestrutura de suporte à conexão à Internet no Brasil.

Suspeitas de uso político

O ministro Gilberto Kassab anunciou que dos 300 municípios que serão atendidos em uma primeira etapa do programa, 50, ou seja, um sexto do total está localizado em Goiás e 80 (26,6%) no Paraná. Não se sabe quais critérios embasam tal escolha.

O que se sabe é que, no primeiro caso, o anúncio foi feito ao lado do governador do Estado, Marconi Perillo (PSDB), eleito em coligação com o PSD, partido de Kassab – apesar de a parceria do MCTIC ser com as municipalidades. O Paraná, por sua vez, é governado por Beto Richa (PSDB), também eleito em coligação com o PSD.

O programa também foi anunciado, segundo notas da assessoria de imprensa do MCTIC, em:

Foz do Iguaçú (PR), cidade cujo prefeito é do PSD, que já tem a promessa de ser contemplado; Itapeva (SP), cujo prefeito Luiz Cavani é do PSDB, eleito em coligação com o PSD; Guararapes (SP), cujo prefeito Tarek é do PTB, eleito em coligação com o PSD; Ourinhos (SP), cujo prefeito Lucas Pocay é do PSD; Leme (SP), cujo prefeito Wagner Ricardo Antunes Filho é do PSD; Morumgaba (SP), cujo prefeito José Roberto Zem é do PSD; Teresina (PI), cujo prefeito é Firmino Filho (PSDB); Mato Grosso, ao lado do governador Pedro Taques (PDT); Bauru (SP), cujo prefeito Clodoaldo Gazzetta é do PSD; Santos (SP), cujo prefeito Paulo Alexandre Barbosa é do PSDB, eleito em coligação com o PSD; Cruzeiro (SP), cujo prefeito Thales Gabriel é do partido SD; Taubaté (SP), cujo prefeito é Ortiz Junior (PSDB), eleito em coligação com o PSD; Mogi das Cruzes (SP), cujo prefeito Marcus Melo (PSDB) foi eleito em coligação com o PSD; São José dos Campos (SP), cujo prefeito Felício Ramuth é do PSDB.

Kassab também discutiu o uso do SGDC com o prefeito de Marília (SP), Daniel Alonso (PSDB); de Tupã (SP), José Ricardo Raymundo (PV), eleito em coligação com o PSD; e de Assis (SP), José Fernandes (PDT), eleito em coligação com o PSD.