Rosemberg Cariry: Louro Branco, um gigante da cantoria

“Louro Branco teve uma vida de muitas lutas pela sobrevivência, mas também de muitas glórias, conquistando centenas de prêmios em festivais. Antes de morrer, cantou: ‘No dia que eu morrer / Deixo a mulher sem conforto / Roupas em malas guardadas / E o chapéu em torno torto / E a viola com saudades / Dos dedos do dono morto’”.

Por *Rosemberg Cariry

Louro Branco

Lamento a morte de Francisco Maia de Queiroz – o famoso Louro Branco. Tenho uma enorme admiração por esse grande poeta popular cearense, um dos últimos grandes nomes da velha estirpe dos cantadores nordestinos. Inteligente e rápido no improviso, com humor afiado e ironia desconcertante, encontrou poucos cantadores à sua altura, tamanha era a sua fama de “cantador de desafio”. Uma cantoria com Louro Branco, anunciada em uma vila ou fazenda, era motivo para os deslocamentos de centenas de pessoas que ali chegavam atraídas pela sua fama. Compositor lírico e apaixonado, deixou mais de 700 canções, muitas delas gravadas.

Já velho, em um momento de crise, terminou sendo doutrinado por uma seita neopentecostal – “nação de gente esquisita” que ultimamente tem querido destruir não apenas os cultos e as culturas afro-brasileiras, mas também outras manifestações das culturas populares brasileiras. Louro Branco “converteu-se”, mas não abandonou a sua veia crítica, picaresca, moleque e bem-humorada. De certa feita, o cantador Valdir Teles batia-se com ele em um desafio e começou a criticá-lo porque ele tinha se “rendido ao protestantismo”. Afirmava que ele abandonara o amor das mulheres, querendo ser santo. Louro Branco então respondeu, com esse rápido e desconcertante improviso: “Valdir vive criticando / Porque agora eu sou crente / E tá dizendo às mulheres / Que eu fiquei impotente / Que diabo disse a Valdir / Que Bíblia capava gente?”. Essa sextilha é uma pérola da verve picaresca e do humor sertanejo. Tornou-se célebre e correu sertões recitada pelos amantes do repente e da cantoria.

Louro Branco teve uma vida de muitas lutas pela sobrevivência, mas também de muitas glórias, conquistando centenas de prêmios em festivais. Antes de morrer, cantou: “No dia que eu morrer / Deixo a mulher sem conforto / Roupas em malas guardadas / E o chapéu em torno torto / E a viola com saudades / Dos dedos do dono morto”. A viola saudosa foi vendida numa rifa para comprar remédios, pois Louro Branco morreu pobremente.

*Rosemberg Cariry é cineasta e escritor.

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