Os desafios para termos uma universidade do tamanho do Brasil

Coube à Nayara Souza, Presidenta da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, nos dar a honra de iniciar o espaço Colunista VermelhoSP. Um local de debates conjunturais e temáticos que tem como o objetivo a construção de um país mais justo e uma sociedade mais avançada. Confira a brilhante análise de Nayara sobre os desafios brasileiros na área da educação.

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Vivenciamos na última década, avanços significativos para a educação brasileira. Vimos a universidade rumar o salto de qualidade que acreditamos ser necessário para a soberania do nosso país. Diante da ruptura deste projeto, com o golpe de Estado em curso, uma nova ordem social e econômica começou a tomar corpo e andar na contramão do investimento na educação, democratização do acesso à universidade e políticas de assistência estudantil, para a garantia da permanência dos estudantes. Bandeiras que haviam marcado a luta dos estudantes brasileiros nos últimos tempos.

Agora, os desafios são muitos e se tornam mais gigantes. São inúmeros os ataques à educação, como a proposta de cobrança de mensalidade nas universidades públicas; a desnacionalização das universidades privadas; os impactos dos vinte anos de congelamento de investimentos públicos em educação, com a Emenda Constitucional 95; as mudanças no FIES que reduziram seus contratos gradativamente de 733 mil contratos em 2014, para 193 mil no ano passado, em todo Brasil – ou seja, uma queda de 61% em totalidade, rompendo com um ciclo crescente de sua expansão; a falta de compromisso com a permanência estudantil, causando as elevadas taxas de evasão no estado de São Paulo, por exemplo, em 2015 essa realidade atingiu 30,4% dos estudantes nos cursos presenciais da rede privada e, 18,5% dos graduandos na rede pública.

Mesmo com a dura realidade do cenário político atual, onde o objetivo central do Governo Federal é concentrar riquezas (ainda com uma crise econômica mundial), estagnar as transformações sociais e submeter o Brasil a uma realidade de colônia explorada pelos interesses internacionais, a ordem do dia além de fazer da universidade um grande centro da resistência pelo Estado Democrático de Direito, é debater detalhadamente uma urgente reformulação educacional – que repense os projetos políticos e pedagógicos estabelecidos para a universidade, e responda aos principais dilemas do meio educacional.

O desafio é criar um modelo de universidade que contribua, acima de tudo, para a emancipação da humanidade. A educação é um dos principais pilares de uma sociedade para alcançar um país desenvolvido e a soberania nacional. O modelo a ser construído deve reiterar a imprescindível associação da pesquisa, ensino e extensão. Hoje, é natural entender de maneira apequenada o significado de cada um destes para a graduação. É necessário desmistificar e pensar a extensão para além de palestras, e a pesquisa para além do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso).

Infelizmente o domínio do mercado sobre algumas universidades, gira o objetivo das pesquisas aos interesses do capital financeiro (e, sobretudo nas universidades privadas, aos interesses norte-americanos). O Estado deveria direcionar a pesquisa, mesmo que com os patrocínios das empresas, para o desenvolvimento brasileiro, objetivos da sociedade acadêmica e da nossa autonomia tecnológica e científica, para que assim consigamos fortalecer nossa nação, combatendo as desigualdades do nosso país e alcançando o desenvolvimento pleno do Brasil.

É necessário transformar a universidade para que sirva à evolução da sociedade, ao desenvolvimento das nossas potencialidades e para a preparação dos estudantes ao mundo do trabalho. Para tal, a extensão universitária deve compor como acompanhamento de toda a grade curricular, experiências concretas, de análise da realidade prática das coisas como complementação à tão fundamental teoria. O ensino extensionista deve proporcionar ao estudante a vivência que não cabe nos livros e histórias tradicionalmente contadas em sala de aula. É o principal elemento para a formação de um cidadão ativo em sociedade.

É claro, que para tudo isso, é necessário discutir em torno de saídas para a crise de financiamento do ensino superior brasileiro. Em São Paulo, a principal fonte de renda das universidades públicas (USP, UNESP, UNICAMP e FATEC) vem dos 9,57% de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O cerne problemático é que quando há uma queda na arrecadação devido à recessão econômica, se reduz imediatamente o montante total do ICMS que, consequentemente, reduz o investimento na educação. É fundamental que toda a comunidade acadêmica se esforce em suprir esse debate, o principal desafio para a educação superior hoje, pensando novas alternativas de financiamento, que absorvam a realidade da sociedade atual, direcionando os nossos objetivos e não ferindo, em nenhuma hipótese a autonomia universitária, seu caráter público, gratuito e de qualidade.

No Brasil, a primeira Escola de Ensino Superior surgiu em 1808, na Bahia. Em São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, foi a segunda, sendo fundada em 1827. São 191 anos desde a fundação do ensino superior paulista. Após um período de quase dois séculos, ainda vivemos grandes conchavos e contradições em meio a nossa formação. Toda a inércia que tentam propor para as salas de aulas, é diariamente alimentada por meio dos monopólios midiáticos, e as instituições vêm cada dia mais entrando em colapso. É disseminada a alienação e um estado de paralisia no nosso povo, tentando acabar com a esperança na luta e na política.

É aí que se faz tão necessária a memória do centenário da Reforma Universitária de Córdoba na Argentina. São 100 anos desde as grandes mobilizações realizadas na época, com os nossos vizinhos latino-americanos (que questionavam o modelo autoritário e as amarras monárquicas e monásticas), colocando na linha de frente da luta universitária, uma Reforma que trazia o protagonismo da luta juvenil; o ensino, pesquisa e extensão; o acesso a universidade e um modelo democrático na administração pedagógica.

Nós, estudantes universitários brasileiros, já mostramos ao longo de toda a nossa história que sabemos lutar. Defendemos a democracia – sendo centro da resistência democrática em dois golpes de Estado – lutamos para que o petróleo brasileiro fosse nosso, resistimos contra a Ditadura Militar, e depois às privatizações e avanço do neoliberalismo. Fomos vitoriosos na campanha das “Diretas Já”; conquistamos a ampliação do acesso à graduação através da criação do PROUNI, do FIES, das COTAS, e um Plano Nacional de Educação com metas progressistas. Também foi a nossa juventude que ajudou o marco democrático da consolidação de uma Constituição Cidadã que tem como centro o bem-estar social.

O Manifesto e celebração do Centenário da Reforma de Córdoba devem nos inspirar e encorajar a luta nos tempos atuais. É hora de ousar! Mergulhar na Universidade, tendo a dimensão de sua história, formação, miscigenação, cultura, saberes e especificidades nacionais. Repensar o todo. Construir o novo! Uma universidade construída pelas nossas mãos, carregadas dos nossos sonhos, objetivos, esperanças e da resistência inabalável em uma educação de qualidade que sirva à transformação da nossa sociedade, em um ambiente emancipado, nacional e soberano. Livre das amarras do imperialismo e com oportunidade para todos. Uma universidade do tamanho do Brasil.

Nayara Souza, Presidenta da União Estadual dos Estudantes de São Paulo

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