Agravamento da violência pós-golpe pode acender chama das ruas

O assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro e a repressão aos professores em São Paulo, ocorridos nesta semana, são episódios que pelo grau de brutalidade podem se transformar em combustível para fortalecer a luta dos movimentos no Brasil contra o aprofundamento do golpe. É a visão de militantes do movimento sindical e social ouvidos pelo Portal Vermelho.

Por Railídia Carvalho

Multidão acompanha velório de Marielle - Mídia Ninja

“Os episódios podem funcionar como um catalisador da indignação popular com essa situação de crescente autoritarismo e violência e de retirada dos direitos do povo. Em São Paulo vimos que cada vez mais querem nos calar, sufocar o direito constitucional de manifestação política e social. São fatores que podem, sim, vir a catalisar uma mobilização popular”, declarou Mariana Venturini, vice-presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM).

Na quarta-feira (14) professores que protestavam na Câmara Municipal de São Paulo contra a reforma da previdência proposta pelo prefeito João Doria foram surpreendidos pela violência da Guarda Civil Militar, que espancou manifestantes dentro da Casa. Rodou pelas redes sociais a imagem de uma professora com sangue no rosto e de outros trabalhadores também atingidos por cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, esses dois últimos arsenais usados pela tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo.

Na opinião de Adilson Araújo, presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), o assassinato de Marielle acendeu uma chama. “Nós precisamos de fato difundir o que está acontecendo no Brasil de forma a ganhar a sociedade. Não é tarefa fácil mas que precisa estar no centro das nossas prioridades. Ontem foi a violência brutal contra os professores em São Paulo, a morte da Marielle Franco e do motorista. Amanhã pode ser um de nós. Não nos resta saída que não seja a resistência nas ruas”, afirmou.

Para Mariana, a ruptura institucional, o avanço desse autoritarismo com elementos de estado de exceção coloca a todos em risco. “Coloca a civilização em xeque, faz o país retroceder a patamares pré-republicanos. Marielle era uma parlamentar brasileira de luta. Ela trazia em si todas as questões ligadas a identidade, negra, mulher, lésbica, veio da favela. Era uma lutadora do povo e parlamentar. Se tá fácil matar uma parlamentar isso fica como um termômetro pra gente: O que vão fazer com outros ativistas sociais? Quantas violações já vem sendo feitas contra as comunidades pobres?”, questionou Mariana.

“A violência em São Paulo, o assassinato da Marielle é fruto dessa intervenção brutal do capitalismo e dos golpistas no país em 2016. Só no período Temer (desde maio de 2016) tivemos 11 assassinatos no campo. Estamos trabalhando e continuares para que chegue esse momento em que as pessoas tomem consciência e se levantem com a força e a mobilização dos movimentos para criar um caldeirão democrático e popular para derrotar esse governo golpista”, disse Alexandre Conceição, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Sair às ruas com uma agenda comum é uma das estratégias destacadas por Adilson. E também é um desafio, segundo o dirigente. “Fica claro que não existe outro caminho que não seja ganhar as ruas em defesa da democracia, da soberania e da liberdade e contra a retirada de direitos da população e do trabalhador brasileiro”, defendeu. A bandeira das centrais tem se assentado em apresentar alternativas que apontem para a retomada do crescimento com valorização do emprego e renda.

De acordo com a presidenta da UBM, a defesa da democracia ganhou força nos atos do dia 8 de março pelo Brasil. “A mobilização do 8 de março vem crescentemente abraçando as faltas democráticas. Se antes a gente batia muito nos direitos específicos como combate à violência contra a mulher, que continua presente, claro, vimos que em grandes capitais os atos giraram neste ano em torno da defesa dos direitos e também da democracia. As mulheres são as primeiras a sentir na pele o retrocesso nas políticas públicas”.

Adilson mencionou que uma greve geral da classe trabalhadora é uma possibilidade que vem sendo debatida pelas centrais. Segundo ele o esforço que entidades vem fazendo é para atualizar a agenda da classe trabalhadora em um ambiente que transformou para pior as relações de trabalho.

“Nesse momento de revés, os trabalhadores precisam dar atenção especial à agenda pontual mas também à agenda política. “O avento do golpe alimentou o ranço conservador. Não podemos dissociar da agenda da classe trabalhadora a agenda política mais geral que vai de alguma forma mobilizando a sociedade, que está apreensiva do custo político que o país vem pagando com esse estado repressor que extermina o povo pobre, negro e da periferia”.