Em São Paulo, “acesso à cultura tem CEP, tem classe e tem cor”

 Ao avaliar os resultados da pesquisa “Viver em São Paulo: Cultura”, que foram apresentados nesta terça-feira (10/4), o cientista político e produtor cultural, Marcio Black, concluiu: “Os dados mostram que o acesso à cultura tem CEP, tem classe e tem cor”. Segundo ele, faltam equipamentos de cultura na maioria dos distritos da capital paulista. 

desigualdade cultural

“O acesso à cultura continua sendo segregado na cidade de São Paulo” reforçou Black, que é também coordenador de cultura da Fundação Tide Setubal. As declarações foram feitas durante o debate que se seguiu à apresentação dos resultados do levantamento, em evento promovido pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência, em parceria com o Sesc São Paulo.

Realizada no Sesc Vila Mariana, a atividade contou com a participação do coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo, Jorge Abrahão. “A questão social aparece muito fortemente em todas as nossas pesquisas”, considerou ele, ao ressaltar que o problema também aparece claramente no acesso à cultura.

Na opinião de Abrahão, as diversas desigualdades podem ser correlacionadas. “As mulheres negras moradoras da periferia, de menor renda e escolaridade, são aquelas que, em geral, não frequentam nenhuma atividade cultural”, denunciou.

O coordenador-geral da Rede Nossa São Paulo argumentou que as desigualdades não ocorreram naturalmente, foram resultados de decisões e escolhas que envolvem as seguintes perguntas: Para quem a cidade é governada? Para onde está sendo direcionado o orçamento? E quais são as prioridades? “Temos que questionar essas coisas e procurar influenciar essas decisões”, sugeriu.

Desigualdade em números

Os resultados da pesquisa “Viver em São Paulo: Cultura” foram apresentados por Patrícia Pavanelli, diretora de contas do Ibope Inteligência. De acordo com o levantamento, apenas 17% dos paulistanos frequentam (pelo menos, uma vez ao ano) todas as seis atividades e espaços mencionados no levantamento: cinemas, centros culturais, shows, museus, teatros e bibliotecas.

Entre os segmentos predominantes entre os que mais frequentam todas as atividades culturais relacionadas estão: os mais escolarizados, com renda familiar acima de cinco salários mínimos e brancos.

Por outro lado, quase 1/4 da população (24%) não usufruiu de nenhum desses equipamentos. Nesse grupo predominam: os menos escolarizados, com renda familiar de até dois salários mínimos, pretos e pardos. “Escolaridade, classe social, renda e raça são as variáveis que diferenciam o perfil daqueles que frequentam todas e nenhuma das atividades avaliadas”, concluiu a diretora de contas do Ibope Inteligência.

Conforme a pesquisa, 59% dos paulistanos não vão ao teatro nem uma vez ao ano. Outros quatro espaços e atividades culturais abordadas no levantamento também revelam percentuais baixo de frequência: 65% não frequentam bibliotecas, 58% não visitam museus, 53% não vão a shows e 52% não utilizam centros culturais.

Apenas o cinema tem um índice de frequência acima de 50%: entre os entrevistados, 67% disseram que frequentam esse espaço, pelo menos, uma vez ao ano. Outros 32% não vão, e 1% não sabe ou não respondeu. Considerando os seis equipamentos ou atividade culturais que tiveram os dados cruzados, a pesquisa constata que quase 1/4 da população paulistana, com 16 anos ou mais (24%), não frequenta nenhuma delas.

A pesquisa entrevistou 800 paulistanos de 16 anos ou mais. A margem de erro é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos, sobre os resultados encontrados no total da amostra.

Periferias

As desigualdades apontadas pela pesquisa também foram destacadas por Juliana Braga, gerente de artes visuais e tecnologia do Sesc São Paulo. “Apesar dos avanços, a cultura ainda é um grande desafio para a cidade”, disse ela. Segundo Juliana, há “um número muito grande de pessoas que não frequentam nenhuma atividade cultural”. Ela também lembrou que a cultura tem um enorme potencial para gerar empregos e renda.

Elaine Mineiro, do Fórum de Cultura da Zona Leste, questionou um dos dados do levantamento, segundo o qual, 68% dos paulistanos vão ao cinema, pelo menos, uma vez ao ano. “O que a maioria dessas pessoas que vão ao cinema está assistindo? Será que são coisas da nossa cultura?” Para ela, essa é uma discussão muito importante a ser feita.

A integrante do Fórum de Cultura da Zona Leste relatou que há uma intensa atividade cultural nas periferias da cidade e defendeu a necessidade de maior diálogo por parte da atual gestão municipal. “Vários terrenos que a Prefeitura pretende privatizar são ocupações de cultura, que sofrem perseguição por parte do poder público”, denunciou.

Outro participante do debate que destacou as atividades e manifestações culturais populares, especialmente nas periferias, foi o ex-secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki. Segundo ele, o levantamento não contempla essas expressões de cultura. “O que não quer dizer que ela [a pesquisa] não tenha uma importância grande para entender o que acontece nessa área”, ressalvou.

Bonduki relatou algumas ações e políticas que implementou quando esteve à frente da secretaria, para ampliar o acesso à cultura, como o Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais – VAI e os Pontos de Cultura. O ex-secretário defendeu uma integração entre as áreas de educação e cultura, que, segundo ele, não podem ser pensadas de forma separada. “Temos que transformar cada escola em um espaço de cultura”, propôs.

Fonte: Rede Nossa São Paulo