Chomsky fala sobre aquilo que não deve ser pensado

Em coletiva para a mídia alternativa no Barão de Itararé, o linguista, filósofo, cientista e ativista político norte-americano Noam Chomsky falou sobre a ascensão da extrema-direita por conta do sentimento de abandono causado pelo neoliberalismo e sobre atitudes contraditórias da mídia estadunidense

Por Alessandra Monterastelli

Noam Chomsky

Noam Chomsky, conhecido como "pai da linguística moderna" e ativista de peso nos Estados Unidos (um dos poucos, por exemplo, que argumenta contra a arbitrariedade do Estado de Israel em relação à Palestina nos EUA), se mostra extremamente sereno. Chegou na coletiva no Barão de Itararé, na República (Centro de São Paulo), com alguns minutinhos de atraso e um sorriso no rosto. Cumprimentou todos os presentes com um olhar simpático e alguns balanços de cabeça. Caminhou até o microfone de mãos dadas com uma mulher que o acompanhava. 

Começa falando sobre o assunto mais quente (e provavelmente o mais preocupante) na política atual: o crescimento da extrema-direita, que segundo ele é devido ao sentimento de abandono gerado pelo neoliberalismo, especialmente quanto aos investimentos públicos. “Quanto maior o corte de gastos com políticas sociais, mais cresce o ódio”.

Para começar a conversa sobre o papel midiático em grandes potências capitalistas, Chomsky analisou dois eventos marcantes pós- Segunda Guerra: a invasão dos Estados Unidos na Indochina (com a Guerra do Vietnã) e no Iraque, ambos com “consequências abomináveis”.

O sociólogo conta que, em relação a Guerra do Vietnã, a opinião publica norte-americana se divide em duas: aqueles que pensam que os EUA poderiam ter ganho a guerra por uma “causa nobre”, e outros, curiosamente os liberais, que defendem que a guerra começou com um esforço para fazer “o que era certo”, mas deu errado. Devemos lembrar que esta Guerra foi amplamente televisionada ao público, primeira vez que isso ocorreu na história.

A maior parte da imprensa estadunidense dizia que a guerra não era imoral; curiosamente, Chomsky conta que a população chegou sozinha a uma conclusão, já que a mídia reproduzia outra coisa: a guerra não era um erro, mas era moralmente reprovável.


Noam Chomsky durante a coletiva no Barão de Itararé, na República, em São Paulo

Qual seria a explicação para tal conclusão da opinião pública? “Parte da justificativa reside no fato de que os Estados Unidos não deveriam ter gasto tanto dinheiro e tantas vidas nesse conflito”, conta Chomsky, mas reitera, sereno, com tom provocativo e irônico: “a outra parte, bom, é impensável, melhor não falar sobre”.

A reflexão de Noam Chomsky sobre a grande mídia nos Estados Unidos se baseia e resume nessa última sentença. Sua conclusão é de que, nos países “ditos livres”, há certas pautas, temas e coisas que não devem ser pronunciadas ou discutidas; mais do que isso, não devem nem ser pensadas.

Ainda sobre a Guerra do Vietnã, o sociólogo lembra: “no começo, foi apoiada pela elite, que depois retirou o seu apoio”. Obama chamou o conflito da década de 1960 de “erro estratégico”. “O mesmo que os generais alemães disseram após invadirem a União Soviética”, compara Chomsky. Nesse caso, não seria de comparar a fala do ex-presidente norte-americano com os nazistas, mas de compreender como a mídia se posiciona com olhar de repúdio as manobras militares alheias, mas é complacente com a agressividade dos Estados Unidos.

Chomsky critica certa hipocrisia da mídia dita livre dos EUA, que expõe suas contradições conforme o interesse socioeconômico e político de seu país. Citou para ilustrar o exemplo da Nicarágua nos anos 1980, quando o jornal La Prensa apoiou a invasão no seu próprio país e a guerra, algo “chocante”, usado para “atacar o governo Sandinista”, e que nunca aconteceria em outros países (nos EUA, por exemplo, a mídia jamais apoiaria uma invasão em território norte-americano). Curiosamente, os Estados Unidos apoiavam a guerra na Nicarágua, e a imprensa estadunidense era contra o governo sandinista. A atitude do jornal La Prensa nunca foi criticada.

Melhor não pensar sobre

Chegando ao final da coletiva, Chomsky propõe: “vou contar um último caso para vocês, e depois farei uma pergunta da qual não tenho resposta. Espero que vocês possam responder”.

Conta o caso de uma pesquisa feita por uma instituição estadunidense, que perguntava “qual é o país que mais faz ameaças?” antes aos norte-americanos, e depois a pessoas de diferentes países. Nos Estados Unidos, as pessoas responderam Iraque, Irã, Coreia do Norte, etc. No resto do mundo, a resposta foi unânime. “Guess who!” (“adivinhe quem”), interroga com ironia Chomsky. Os Estados Unidos.

A pesquisa nunca foi divulgada pela imprensa norte-americana, talvez porque refletia um sintoma causado por ela própria. “A pergunta também nunca mais foi feita”, conta Chomsky, e lembra que essa pesquisa foi feita na época do governo Obama, em tese progressista; se ali já não foi tornada pública, “imagine hoje em dia, com o atual governo”. A pergunta final prometida pelo sociólogo: “essa pesquisa foi divulgada no Brasil?” e sorri. Provavelmente ele desconfiava da resposta. 

Concluí sua reflexão sobre a mídia: “Certas coisas não se perguntam, certas coisas não se dizem”.