Bolsonaro banaliza violência com discurso de ódio, diz especialista

As polêmicas envolvendo o candidato Jair Bolsonaro (PSL) não cessam. Apesar de sua ausência nos debates e um discurso mais ponderado, suas falas continuam inflamando eleitores que transformam o discurso de ódio do candidato em ação. Para o cientista político, Pedro Fassoni Arruda, Bolsonaro é um perigo para a democracia por explorar com habilidade os ressentimentos da população diante de uma crise, levando muitos a acreditarem que a solução mais fácil é o emprego da força.

Por Verônica Lugarini

Jair Bolsonaro - Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Segundo a Agência Pública, apoiadores de Bolsonaro realizaram mais de 50 ataques com motivação política nos primeiros 10 dias de outubro, um curto período para a quantidade de casos. O mais conhecido, e com um fim trágico, foi o do mestre de capoeira Moa do Katendê. Ele foi assassinado por criticar o presidenciável de extrema direita na madrugada da segunda pós-eleição (08).

Depois desse caso, outros vieram à tona. Um jornalista atropelado por usar a camiseta do ex-presidente Lula, uma jornalista esfaqueada e ameaçada de estupro e um idoso que teve sua receita rasgada pela médica ao saber que o paciente havia votado em Fernando Haddad (PT).

Esses ataques se intensificaram com a propagação do discurso de ódio de Bolsonaro e, o fato do candidato ter uma votação tão expressiva no primeiro turno (46%), “fez com que essas pessoas se sintam mais à vontade porque entendem que outros brasileiros também compartilham dessa mesma visão”, afirmou o cientista político e coordenador do curso de Ciências Sociais da PUC-SP, Pedro Fassoni Arruda.

Todavia, o professor destacou que esse discurso de ódio é direcionado contra grupos específicos, como negros, homossexuais, estrangeiros, mulheres feministas, militantes sociais e de partidos políticos.

Bolsonaro já declarou, por exemplo, ser favorável à tortura e disse ainda que o erro da ditadura foi não ter matado mais. Frequentemente faz apologia à violência e ao discurso de ódio. Um de seus atos mais polêmicos foi dizer que a deputada Maria do Rosário (PT) não merecia ser estuprada porque era feia.

“Essas declarações vão alimentando o caldo de cultura e tornando tudo isso banal porque ao fazer esse discurso de uma forma reiterada, [Bolsonaro] acaba naturalizando esse tipo de comportamento e as pessoas sentem que isso é normal”.

O cientista político lembrou que casos de violência praticadas por agentes de Estado e de violações de direitos humanos infelizmente são comuns no país, mas agora os ‘cidadãos de bem’ – como eles se auto-intitulam – têm feito justiça com as próprias mãos, direcionando seu ódio e raiva contra esses grupos.

Questionado se seria possível apontar o estopim para a escalada de violência no país ou fatores que levaram a essa situação, o professor disse que o discurso de ódio surgiu como uma reação à emergência ou a maior visibilidade de determinados grupos, como a comunidade LGBT, por ocuparem cada vez mais espaço nas ruas e na mídia.

“O fato da universidade e escola discutirem direitos humanos, igualdade de gênero e orientação sexual incomoda as pessoas e a chamada ‘família tradicional’, o que gera uma reação às políticas de inclusão social. Por isso, muitas pessoas diziam que o aeroporto parecia rodoviária ou que os negros, através das políticas de cota, estavam roubando as vagas dos seus filhos nas universidades”, ressaltou e continuou:

“Ou seja, tudo isso surge como uma reação aquele velho mundo plenode privilégios em que alguns brasileiros detinham o monopólio do saber e da riqueza. Lembrando que essas reações desembocaram também nas grandes manifestações de junho de 2013, quando se levantaram cartazes dizendo: ‘eu quero o meu Brasil de volta’.”

Avanço do conservadorismo

Além da ascensão do discurso de ódio, há também um movimento de crescimento político conservador no país. O partido do capitão da reserva, o PSL, foi de nanico para a segunda maior bancada da Câmara. Antes das eleições de 2018, o PSL tinha 8 deputados e agora saltou para 52 deputados eleitos.

Apesar desse fenômeno ocorrer no Brasil, ele não é específico do país, conforme explicou o Arruda. Segundo ele, isso também é latente na França com a Frente Nacional; na Alemanha com a Alternativa para a Alemanha; na Itália que tem a Liga Norte e também nos Estados Unidos com o governo Donald Trump.

Para além do contexto internacional, o professor destacou que a conjuntura brasileira deve ser levada em conta na hora de analisar o surgimento de um representante político como Jair Bolsonaro.

“É importante pensarmos que o Brasil não é um fenômeno isolado e que o próprio Bolsonaro não pode ser um raio que caiu em um dia de céu azul. Ele é um fascista, mas o fascismo é uma coisa muito mais ampla do que a figura do Bolsonaro. Não dá para explicar o crescimento desse fenômeno a partir de suas características pessoais porque isso também tem a ver com o esgotamento do modelo de sociabilidade que o próprio capitalismo oferece há décadas, mas sem qualquer perspectiva emancipatória”, enfatizou.

Para o especialista, “Bolsonaro é de fato um perigo para a democracia porque explora com bastante habilidade – digo isso sem nenhum juízo de valor – os ressentimentos da população diante de uma crise que gera pobreza e desemprego, levando muitas pessoas a acreditarem que a solução mais fácil é o emprego da força”.