A morte antecipada da Copa Libertadores da América

O que era pra ser a maior final de todos os tempos se tornou de uma vez a maior vergonha.

Por João Sampaio*

Maradona Frecescoli

O segundo jogo da final da Libertadores da América vai ser fora da Argentina, possivelmente fora do continente, em Miami ou Doha. A Libertadores já tinha data pra morrer: as finais únicas em campo neutro iam começar ano que vem de qualquer jeito. Mas eis que resolveram matá-la antes, justo naquele que deveria ser seu momento derradeiro de glória, a despedida perfeita: a maior final entre os maiores rivais, em um dos maiores confrontos de toda a história do futebol.

Eu andava até disposto a relevar um pouquinho a quantidade de sujeira que foi feita pra que essa final acontecesse. Meu próprio time foi tapetado sem dó, afinal. A Chape também. Cruzeiro e Grêmio foram garfados. Isso só esse ano, porque quanto mais se volta no tempo mais se constata a infinitude dessa lista. Sigo achando (mais do que nunca) que os clubes brasileiros precisam boicotar a competição pra ontem, infelizmente, pra ver se assim param de serem feitos de idiotas.

Mas em nome da escrita de um capítulo tão épico para os livros do esporte dava até pra perdoar, só mais essa vez. Os assaltos no campo e nos tribunais tendem a ser menos lembrados do que as grandes finais, no fim das contas. E essa era a última, e era Boca x River, caramba. A primeira partida, apesar do adiamento, foi um jogaço de bola que só reforçou esse sentimento.

Mas aí o que aconteceu nesses últimos dias por culpa da polícia, dos torcedores, da Conmebol, da FIFA, do Marci, do Papa e sei lá mais de quem transformou tudo isso em desgosto. Eu queria despejar aqui ponto a ponto minha indignação particular com cada um dos responsáveis por matar minha competição favorita, por sufocar uma mística inigualável em nome de dar soluções rápidas e completamente equivocadas a problemas reais e urgentes. Mas tudo que eu consigo sentir agora é tristeza, desânimo. Pra alguém que gosta tanto desse troço chamado futebol e que tantas expectativas tinha criado em torno dessa final, fica difícil sentir outra coisa.

Então deixo aqui em vez disso essa imagem que vi ontem e que me deixou arrepiado: Francescoli e Maradona num abraço fraterno em dia de Boca x River no Monumental lotado. Ela me lembrou do quanto já pioramos, não só porque naquele tempo desfilavam por nossas canchas craques desse quilate, mas porque nesse jogo as duas torcidas estiveram presentes, como deve ser. Como foi por exemplo em 2004, quando Tevez marcou nos últimos minutos pela semifinal da mesma Libertadores e saiu imitando uma galinha. Li uma vez (e concordei totalmente) que não há nada que construa mais o caráter de um torcedor do que ver a torcida rival comemorando bem na sua frente, no seu próprio estádio, experiência que uma geração um pouco mais nova que eu talvez já não tenha. Tudo porque algum dia um desses gênios em seu escritório descobriu que a torcida única era a panaceia para resolver a violência no futebol. Os resultados foram realmente incríveis, como o mundo inteiro pôde ver no sábado.

E me lembrou também que nada está mal o suficiente que não possa piorar, às vezes antes do anunciado. Seguimos a todo vapor nesse esforço pateticamente colonizado para passar uma maquiagem mal feita de primeiro mundo e esconder problemas muito mais profundos, matando no processo muito do que temos de mais único e valioso e bonito por aqui.