A Venezuela, o Brasil e o Carnaval
A hipótese defendida neste ensaio é a de que os Estados Unidos da América (EUA) decidiram retomar a sua liderança histórica na América Latina, cuja experiência mais recente havia se dado por intermédio da instalação de regimes autoritários, nos anos de 1960 e 1970, em toda a região, onde se destacam as trágicas experiências das ditaduras militares no Brasil, na Argentina e no Chile.
Por Dalton Macambira *
Publicado 08/03/2019 08:28
Por esta razão, chama a atenção como idiotas da mídia, fantasiados de comentaristas políticos ou analistas de relações internacionais, repetem ad nauseam que o Tio Sam representa a “pátria da democracia” e do chamado “mundo livre”, fazendo de conta que o interesse econômico não é o que move suas ações no tabuleiro das disputas pelo controle da maior parcela do mercado mundial.
Os EUA não aceitavam mais que a esquerda governasse tantos países importantes e ameaçasse sua hegemonia no continente. Exemplos emblemáticos foram os golpes parlamentares, com apoio do poder judiciário e dos militares, que derrubaram Zelaya, em Honduras, Lugo, no Paraguai, Dilma, no Brasil e trabalharam para derrotar Kirchner, na Argentina. Os atos, com aparência de legalidade, duramente denunciados em todo o mundo, foram subsidiados pelo serviço de espionagem norte-americano e apoiados por países “amigos”, bem como houve o farto uso da internet, com sede nos EUA, para disparar fake news nas redes sociais contra os seus “inimigos internos”, em cada país, com clara intenção de manipulação da vontade popular.
No caso do Brasil, após a descoberta do pré-sal, a CIA, que já dava treinamento a juízes e promotores, repassou informações privilegiadas e selecionadas aos donos da “lava jato” do que sempre ocorreu na Petrobras, e em outras estatais, para levar a desestabilização do governo, dando munição à mídia para estimular movimentos como as jornadas de junho de 2013, entre outros, que levaram ao golpe de 2016 e a prisão de Lula, líder de todas as pesquisas eleitorais em 2018. Para os norte-americanos, era inadmissível que, em 2002, 70% das relações comerciais brasileiras fossem vinculadas aos EUA e a Europa e que em 2010, num ritmo crescente, passou a ser 50% com a África e com Ásia, principalmente com a China. Sem falar no fortalecimento do Mercosul e da ousadia de criar um acordo de cooperação econômica com a Rússia, China, Índia e África do Sul, o chamado Brics.
A bola da vez agora é a Venezuela, que possui as maiores reservas de petróleo do mundo, cerca de 18% dos estoques globais. Razão pela qual os EUA resolveram derrubar Maduro, após impor um duríssimo bloqueio econômico ao país. A justificativa como sempre é outra: “o presidente venezuelano é um ditador e está matando o seu povo de fome”, por isso é necessária à mudança de governo e a “ajuda humanitária”, que não é oferecida ao Haiti, por exemplo. Ou seja, a eleição de Maduro para presidente foi forjada e ilegal, mas a eleição de Juan Guaidó para o parlamento foi livre e democrática. Durma-se com um barulho desses.
A opinião do governo norte-americano sobre os massacres de Israel contra palestinos e a ditadura sanguinária e monárquica da Arábia Saudita é completamente diferente, não vem ao caso. A mídia brasileira, subserviente aos interesses estrangeiros, todos os dias tenta manipular a opinião pública contra o governo venezuelano, assim como fez com Lula e Dilma.
Portanto, do ponto de vista da geopolítica, fica claro o interesse econômico norte-americano em relação à América Latina e a necessidade de derrubar governos que não rezem na sua cartilha. Um ponto fora da curva é que a esquerda venceu a recente eleição presidencial no México. Mesmo assim, não custa lembrar que a área mais rica em petróleo dos EUA foi invadida e tomada do vizinho, que não tinha um muro para se proteger, dando origem à famosa frase do presidente mexicano (1884-1911), general Porfirio Diaz: “Pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos EUA”.
No entanto, no plano interno, também existem semelhanças entre os países latino-americanos citados: as elites locais não admitem ter sequer arranhado os seus privilégios e são contra direitos (previdenciários, trabalhistas, etc.) e qualquer política social compensatória para os mais pobres, por isso sempre apoiaram os golpes e as ditaduras, consideram a democracia um detalhe que pode ser removido quando os seus interesses estiverem ameaçados e são tão submissas aos objetivos dos EUA que se pudessem sonegar lá os impostos que não pagam aqui já estariam morando em Miami. Governos democráticos e populares que tentam promover a redução das desigualdades sociais são derrubados, como o governo de Dilma, em 2016, ou terrivelmente ameaçados, como o de Maduro, agora.
Enquanto isso, no Brasil, Bolsonaro, que já havia prestado continência à bandeira norte-americana e se declarado fã incondicional do torturador e assassino Brilhante Ustra, na semana do carnaval resolveu se derreter em elogios a Alfredo Stroessner, ditador paraguaio (1954-1989). Não satisfeitos, um dos representantes da família resolveu atacar Lula, culpando-o pela morte do neto de apenas sete anos de idade e, novamente, o próprio presidente postou nas redes sociais um vídeo pornográfico atacando o carnaval, como resposta às manifestações que varreram o país, em nossa festa mais popular, onde o mandavam tomar naquele lugar. Dessa vez a aposta foi muito alta e o tiro saiu pela culatra, pois muitos de seus eleitores, e opositores, repudiaram tanto a atitude do pai quanto a do filho.
O objetivo dessa política é dividir a sociedade, quebrar seus laços de solidariedade, fraturar o tecido social, para reinar/governar, como fizeram muitos imperadores e ditadores desde Júlio César, na Roma antiga. Aqueles que defendem um projeto nacional de desenvolvimento, soberano e de garantia dos direitos sociais e das liberdades civis precisam caminhar no sentido oposto, o da construção da unidade da sociedade para defender a Constituição e a Democracia, pois a situação atual não está mais na esfera da luta entre socialistas e liberais, mas entre democratas e fascistas.